segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

POR SE CUMPRIR A LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS EM VIGOR EM MOÇAMBIQUE.

 

3ª E última Parte

Dando seguimento a terceira e última parte deste artigo, falarei hoje dos Deveres e do Registo bem como da Filiação dos cidadãos nos Partidos Políticos, nos termos consagrados na Lei N°7/91, de 23 de Janeiro alterada pela Lei N°14/92, de 14 de Outubro.

A Lei acima referida prevê que cabem aos partidos políticos o dever de respeitar a constituição e as leis; comunicar ao órgão estatal competente para o registo dos partidos, as alterações, aos estatutos e programa, bem como a superveniência da dissolução, da fusão, da criação e da coligação; publicar anualmente as suas contas; entre outros deveres também considerados indispensáveis ao seu pleno funcionamento.

Estipula ainda, a referida Lei, que o Ministério da Justiça procederá ao registo oficioso do partido em livro próprio, devendo posteriormente nele efectuar averbamentos sobre quaisquer actos relevantes tais como a dissolução, fusão, coligação ou mudança dos titulares dos órgãos centrais, em face duma comunicação por escrito, feita pelo partido. Os partidos políticos têm 15 dias para comunicarem ao Ministério da Justiça quaisquer actos supervenientes que devam ser registados, averbados ou publicados, a contar da data da sua ocorrência, entre outros deveres.

Os Estatutos e os nomes dos titulares dos órgãos de direcção devem ser mandados publicar no Boletim da República, pelo Ministério da Justiça e carecem igualmente de publicação no Boletim da República, a dissolução e fusão de partidos políticos.

Quanto a filiação, a Lei em apreço define ainda que a adesão a um partido político é sempre voluntária e deriva da liberdade de os cidadãos se associarem em torno dos mesmos ideais políticos. Estipula ainda a Lei que cada cidadão pode filiar-se apenas num partido.

Ora, como é público e notório, muitos partidos políticos, não têm cumprido integral ou parcialmente com o preconizado na Lei acima referida. A agravar esta situação verifica-se que a lei dos partidos políticos contém muitas lacunas e, não obstante esta ter sido aprovada em 1991 e alterada em 1992, ela nunca foi regulamentada. Estes factos contribuem para a falta de clareza da referida lei e permite que violações a mesma ocorram impunemente.

No que concerne às violações à lei dos partidos políticos, podemos destacar pelo menos três tipos de violações, nomeadamente:

ü  Falta de registo e publicação das alterações que ocorram no partido depois da sua constituição, dentro do prazo legalmente estipulado.

O Registo e a publicação servem para conferir existência legal, validade jurídica perante todas as pessoas e autenticidade aos partidos políticos e às alterações que nela ocorram bem como, no caso da publicação, serve para tornar o partido político, sua estrutura e suas alterações supervenientes, do conhecimento público para que todos saibam da existência de um determinado partido e da sua estrutura interna e para que ninguém possa alegar desconhecimento de alguma situação relativa ao partido político.

Esta obrigação de registo e publicação interessa, portanto, ao próprio partido político como a sociedade em geral.

A falta de registo de um acto a ele sujeito torna o referido acto desprovido de validade jurídica. Nestes termos, a constituição de um partido sem o respectivo registo e publicação torna-o legalmente inexistente; as alterações supervenientes na estrutura do partido sem o respectivo registo torna-as desprovida e consequentemente não podem surtir os efeitos desejados.

Assim, o registo das vicissitudes que ocorram num determinado partido aproveita o partido em questão, não se percebendo o porquê de alguns partidos não procederem aos registos obrigatórios ficando assim prejudicados.

Quanto ao prazo de 15 dias estipulado por lei, há algumas questões que se levantam e que a lei não responde:

 - Qual é a consequência do não registo fora do prazo?

 - A entidade competente poderá recusar efectuar um registo pelo facto do partido não ter cumprido com o prazo? Qual será a base legal desta conduta?

 - Estarão, os partidos políticos que não cumpram com os prazos de registo, sujeitos a alguma multa? Qual a base legal desta multa se a lei dos partidos políticos não estabelece qualquer penalidade para as violações da mesma?



Não disponho de respostas a estas questões o que mais uma vez vem a reforçar os meus argumentos no sentido de se actualizar e de se regulamentar a lei dos partidos políticos.



ü  Filiação compulsória em determinados partidos políticos.

Temos, já há vários anos, recebido informações acerca dos condicionalismos que, na função pública, se impõem para acesso a determinados cargos públicos.

A ser verdade, esta situação é bastante grave uma vez que não só viola a lei dos partidos políticos como também a constituição da república.

Por outro lado esta situação é, salvo melhor entendimento, caricata; pois a filiação compulsiva não serve de garantia nenhuma ao sentido do voto das pessoas compelidas a se filiarem num determinado partido. Os resultados das eleições municipais na cidade da Beira em 2003 e 2008 e das eleições legislativas e da cidade de Maputo (particularmente no distrito urbano N°1) são a prova disso.



Por outro lado, apesar de quase toda a sociedade moçambicana ter tomado conhecimento destas filiações compulsivas não se verifica qualquer acção, por parte dos órgãos estatais responsáveis pelo garante da constituição e da lei, nem por parte da sociedade civil moçambicana, no sentido de pôr cobro a esta situação e de devolver, de facto, aos moçambicanos o direito de livremente se inscreverem no partido político com o qual se identificam.



ü  Filiação em mais de um partido político.

Temos tido notícia de uma promiscuidade muito grande no que se refere a filiação em partidos políticos. São pessoas que passam de um partido para o outro sem previamente regularizarem a sua situação no partido anterior, etc..., violando assim a lei dos partidos políticos que é clara quando estabelece que um cidadão apenas pode filiar-se num partido político de cada vez.



Esta violação da lei dos partidos políticos é, como acima se referiu, do conhecimento público mas não se verifica qualquer atitude por parte dos órgãos responsáveis pela legalidade no país. Verifica-se assim uma situação de conivência por parte de diversos órgãos estatais com a violação das leis em vigor, o que não se pode admitir num estado de direito.



A lei, seja ela qual for e doa a quem dor é de cumprimento obrigatório para todos.



É chegada a hora, caros cidadãos, de exigirmos também o cumprimento da Lei e a responsabilização dos partidos políticos.

 Cabe a cada um de nós, como cidadãos deste país, exigir mais respeito pelo cumprimento da Constituição da República e das leis em vigor e exigir que a Lei seja de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos.

Pelo que apelo ao Governo para agilizar a regulamentação da presente Lei e que tanto a Procuradoria-Geral da Republica bem como o Tribunal Administrativo e o Conselho Constitucional passem a exercer com maior rigor e celeridade a fiscalização do cumprimento integral da Lei em apreço.




segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

POR SE CUMPRIR A LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS EM VIGOR EM MOÇAMBIQUE

                                                         Parte 2

Dando seguimento a segunda parte deste artigo, falarei hoje dos Direitos e Deveres dos partidos políticos por lei, atribuídas aos partidos políticos nos termos consagrados na Lei N°7/91, de 23 de Janeiro alterada pela Lei N°14/92, de 14 de Outubro.

A Lei dos partidos políticos estipula que constituem, entre outros, direitos dos partidos políticos, beneficiar de isenções de direitos alfandegários para os bens de equipamento necessários ao seu próprio funcionamento; de sisa para a aquisição dos edifícios necessários à instalação da sua sede, delegações, representações e serviços; de entre outras isenções. As isenções aqui referidas não abrangem as actividades económicas de natureza empresarial.

Ora, como é público e notório, muitos partidos políticos, não têm cumprido integral ou parcialmente com o preconizado na Lei acima referida e a mesma, não obstante ter sido aprovada em 1991 e alterada em 1992, nunca foi regulamentada bem como não prevê nenhuma penalização para o seu incumprimento integral ou parcial. Nunca se soube de alguma penalização suportada por qualquer partido que não tenha cumprido com a referida lei. As organizações da sociedade civil moçambicana bem como a imprensa moçambicana têm exigido responsabilidades ao Estado e Governo moçambicano pelo incumprimento, mesmo que parcial, das Leis do nosso país mas têm negligenciado, quanto a mesma exigência, quando se trate dos partidos políticos.

Muitos são os partidos políticos que aproveitam-se dos direitos que a Lei confere, nomeadamente o direito à isenção dos direitos alfandegários, para importarem viaturas e outros bens que são depois revendidos, lesando o Estado e os contribuintes deste país e beneficiando da impunidade pelo incumprimento da lei.

Esta situação é já conhecida por toda a sociedade moçambicana mas, infelizmente ela é tolerada tanto pela imprensa como pelas entidades responsáveis pela fiscalização das isenções fiscais concedidas como, até, pelas organizações da sociedade civil Moçambicana.

A lei dos partidos políticos ao atribuir a estás entidades privadas o direito de importar viaturas livre de direitos aduaneiros fê-lo para garantir e facilitar a constituição e funcionamento destas entidades dado o papel fulcral por elas desempenhado nos Estados de direito democráticos. Ora, este direito é, muitas vezes, abusivamente exercido pelos partidos políticos os quais em paralelo à sua actividade principal, actividade política, desenvolvem verdadeiros negócios de isenções fiscais. Com efeito, algumas empresas que se dedicam a venda de automóveis em Moçambique, têm acordos secretos com alguns partidos políticos e importam viaturas utilizando as isenções dos partidos políticos.

Lê-se no preambulo da lei dos partidos políticos “A actividade dos partidos políticos deve desenvolver-se na base dos princípios de salvaguarda da unidade nacional, de reforço do espírito patriótico dos cidadãos, de consolidação da Nação moçambicana” e lê-se ainda “Neste contexto, os partidos políticos devem contribuir para a paz e estabilidade do país através da educação política e cívica dos cidadãos, ter âmbito nacional, defender os interesses nacionais e concorrer para a formação da opinião pública sobre as questões nacionais e internacionais”.

Será que os partidos políticos estão a cumprir com o seu papel?

Nos termos do estabelecido no n°1 do art. 1 da lei dos partidos políticos, “São partidos políticos as organizações dos cidadãos moçambicanos constituídas com o objectivo fundamental de participar democraticamente na vida política do país e de concorrer, para a formação e expressão da vontade política do Povo.”

Estarão, os partidos políticos a cumprir com os objectivos apontados pela lei?

Infelizmente, no que se refere ao abuso dos direitos a eles conferidos, a realidade revela-nos que, grande parte dos partidos políticos, não estão a cumprir com as suas funções e objectivos.

A situação, pública e notória, do “negócio de isenções” desenvolvido por alguns partidos políticos reforça a conclusão acima escrita.

Com efeito, este negócio de isenções em nada contribui para o reforço da democracia, para a elevação da consciência política do povo, para a salvaguarda da unidade nacional, para o reforço do espírito patriótico do moçambicanos e para a consolidação da Nação moçambicana. Antes pelo contrário.

O negócio das isenções é extremamente prejudicial para o país e para os moçambicanos em geral, pois, com estes negócios o Estado deixa de arrecadar receitas que poderiam ser, posteriormente aplicadas na melhoria de vida dos cidadãos e minorar o sofrimento e as carências dos moçambicanos.

Quantas estradas, pontes, escolas, centros de saúde, hospitais e habitações sociais poderiam ser construídos com as receitas que o Estado deixa de arrecadar?

Quantas ambulâncias, medicamentos, equipamentos hospitalares e escolares poderiam ser adquiridos com as receitas que o Estado deixa de arrecadar?

Quantos médicos, enfermeiros, professores, engenheiros, entre outros profissionais necessários ao desenvolvimento do país poderiam ser formados com as receitas que o Estado deixa de arrecadar?

Este negócio de isenções afectam a todo o povo moçambicano, os quais deixam de beneficiar de determinados bens e serviços que seriam garantidos pelo Estado e, em contrapartida, apenas uma “meia dúzia”de cidadãos é que se beneficiam e até enriquecem com o prejuízo que o negócio acima referido causa aos moçambicanos em geral.

Note-se que, o facto de os partidos políticos beneficiarem da isenção dos direitos alfandegários para importarem viaturas e outros bens significa que todos os moçambicanos, na qualidade de contribuintes são os financiadores dos partidos políticos e nesta qualidade têm o direito, irrenunciável e inviolável de saber como é que estas isenções são utilizadas pelos partidos políticos

Face ao que acima escrevi, julgo ser urgente que, para além de se apurar responsabilidades e punir os infractores, há que se regulamentar a lei dos partidos políticos e definir-se o número exacto de viaturas e outros bens que cada partido possa importar livre de encargos fiscais, por cada 5 anos, e, os mecanismo de controlo das mesmas de modo a acabar com este estado de coisas. Que o Tribunal Administrativo e a Procuradoria-Geral da República, redobrem os esforços no sentido de melhor fiscalizar os actos praticados pelos partidos políticos como forma de assegurar o cumprimento efectivo da Lei.



(Continua na próxima edição)





quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

POR SE CUMPRIR A LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS EM VIGOR EM MOÇAMBIQUE.

1ªParte

O Estado Moçambicano tem vindo a empreender um notório esforço visando realizar, com sucesso, a Reforma Legal e a Reforma do Sector Público. O Ministério das Finanças e o Tribunal Administrativo têm esforçado em melhorar os Relatórios e os Pareceres da prestação de Contas do Orçamento do Estado mas a caminhada ainda é longa e todos somos chamados a dar o nosso contributo.

Dada a importância dos partidos políticos na arena política nacional e o seu contributo para a melhoria da governação, à Lei dos partidos políticos em vigor, estabelece que estas entidades beneficiam de fundos do Orçamento do Estado.

À luz da Lei acima referida, os Partidos políticos devem prestar contas e cumprirem integralmente com o estipulado na Lei, quer no tocante a transparência e na gestão das suas contas como no seu funcionamento em particular. Deste modo, irei iniciar, a partir de hoje, uma reflexão, por partes, visando chamar a atenção da sociedade civil e dos moçambicanos, em geral, para a necessidade de se regulamentar a Lei dos Partidos Políticos e exigir-se o seu cumprimento integral bem como prever-se as penalizações para o seu incumprimento.

Na primeira parte desta minha reflexão, falarei do financiamento, doações e legados, regime financeiro, dotações do Orçamento do Estado e da contabilidade e inventário dos fundos e património dos partidos políticos. Na segunda parte deste artigo, falarei dos Direitos e Deveres, das Isenções Fiscais, do Registo e da Filiação, todos consagrados na Lei N°7/91, de 23 de Janeiro alterada pela Lei N°14/92, de 14 de Outubro.

De acordo com a Lei acima referida, o financiamento dos partidos políticos faz-se, de entre outras formas, através de verbas previamente inscritas no Orçamento do Estado. A Lei prevê ainda que as receitas e despesas dos partidos políticos deverão ser discriminadas em relatórios anuais que indicarão, entre outros, a proveniência das receitas e a aplicação das despesas e que o seu ano financeiro coincide com o ano civil. Estipula ainda que as contas dos partidos políticos devem ser publicadas no Boletim da República (BR) e no jornal de maior circulação, e que é vedado aos órgãos do Estado, às pessoas colectivas de direito público e às pessoas colectivas de direito privado e utilidade pública financiar ou subsidiar os partidos políticos, com excepção das verbas inscritas no Orçamento de Estado para esse efeito.

Estipula ainda, a referida Lei, que as verbas inscritas no Orçamento do Estado destinadas aos partidos políticos, são atribuídas aos mesmos proporcionalmente ao número de deputados eleitos para a Assembleia da República e que as regras de prestação de contas destas verbas serão idênticas às da Administração Pública e que todo o partido político deve ter a contabilidade organizada e um inventário dos seus imóveis e dos móveis bem como, no mínimo, uma conta bancária.

Ora, como é público e notório, a maioria dos partidos políticos, senão mesmo todos, não têm cumprido integral ou parcialmente com o preconizado na Lei acima referida e a mesma, não obstante ter sido aprovada em 1991 e alterada em 1992, nunca foi regulamentada bem como não prevê nenhuma penalização para o seu incumprimento integral ou parcial. Nunca se soube de alguma penalização suportada por qualquer partido que não tenha cumprido com a referida lei. A sociedade civil moçambicana tem exigido responsabilidades aos Servidores públicos pelo incumprimento, mesmo que parcial, da Lei do

Orçamento, mas o mesmo já não acontece com o incumprimento do estabelecido na Lei dos partidos políticos.

Onde está a almejada justiça social? Afinal a Lei não é de cumprimento obrigatório para todos? Será que uns serão mais cidadãos do que outros? Decididamente, penso que não. Portanto, cabe a cada um de nós, como cidadãos deste país, exigir mais respeito pelo cumprimento da Constituição da República e das leis em vigor.

Note-se que, o facto de os partidos políticos beneficiarem de verbas inscritas no Orçamento do Estado significa que por um lado, todos os moçambicanos, na qualidade de contribuintes são os financiadores dos partidos políticos e nesta qualidade têm o direito, irrenunciável e inviolável de saber como é que estas suas contribuições são utilizadas pelos partidos políticos. Daí o legislador moçambicano, ter estabelecido a obrigatoriedade de os partidos políticos prestarem contas e publicarem os seus relatórios de contas. O incumprimento, por parte, dos partidos políticos desta obrigatoriedade bem como a passividade e conivência das instituições públicas responsáveis pela fiscalização no cumprimento da Lei vem a consubstanciar uma violação dos direitos fundamentais do cidadão contribuinte de saber como é utilizado o seu dinheiro.

Se até o Governo vem, todos os anos, apresentar os seus relatórios de conta e dar satisfação aos cidadãos sobre a forma como é usado as contribuições dos mesmos porquê é que os partidos políticos podem eximir de dar esta satisfação?

É inadmissível este estado de coisas. O cidadão moçambicano, da mesma forma que tem o direito de saber como é que o Governo usa as suas contribuições, tem também o direito de saber como é que estas contribuições são usadas pelos partidos políticos.

É chegada a hora, caros cidadãos de exigirmos também a prestação de contas e a responsabilização dos partidos políticos.

(continua na próxima edição).






sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

REFLEXÃO SOBRE A PERTINÊNCIA DA COMISSÃO AD HOC PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

Durante o debate na Assembleia da República (AR) em torno da criação da Comissão ad hoc para a revisão constitucional tive o privilégio e a oportunidade de intervir e dar a conhecer a minha opinião acerca da Comissão Ad-hoc para a revisão da Constituição da Republica de Moçambique (CRM). Na minha opinião, tendo em conta os momentos economicamente conturbados que vivemos, tanto ao nível nacional como internacional, a criação de uma comissão ad hoc com um mandato pouco claro, não é oportuno e muito menos realista. Apesar da minha opinião contrária, a Comissão Ad-hoc foi criada. Face a criação desta comissão comecei a desenvolver a esperança de que a proposta de revisão da constituição a ser submetida pela Bancada Parlamentar da FRELIMO, poderia eventualmente, trazer algumas inovações que justificassem a criação desta Comissão. A Comissão Ad-hoc foi criada por vontade e voto da Bancada Parlamentar da FRELIMO daí que, no mínimo, esperava que os defensores acérrimos da Comissão aproveitariam bem a oportunidade que criaram e trariam para o Parlamento propostas que produzissem real impacto na melhoria de vida dos Moçambicanos como por exemplo a ampliação dos espaços de participação politica dos cidadãos, o aperfeiçoamento dos mecanismos de fiscalização e controlo da legalidade e da Constituição, o alargamento das competências do Conselho Constitucional e a previsão da figura de inconstitucionalidade por omissão, o aperfeiçoamento das garantias dos particulares e mecanismos eficientes que imprimam celeridade na administração da justiça em Moçambique, eleições para o cargo de governador da província, redução e transferência de parte dos poderes actuais do Presidente da República para á Assembleia da República, redução do número de deputados e a introdução da eleição mista para a Assembleia da República, introdução do direito de os grupos de cidadãos eleitores também poderem concorrer á Assembleia da Republica (a semelhança do procedimento que é adoptado para as Assembleias Municipais), a Eleição dos Reitores das universidades públicas pela comunidade universitária, a eleição dos Presidentes dos Tribunais Supremo, Administrativo e Conselho Constitucional pelos seus pares, etc. Ou seja, esperava sinceramente que a proposta demonstrasse o comprometimento da bancada maioritária com o povo moçambicano e buscasse soluções para reduzir a descrença dos cidadãos em relação as instituições politicas e aos políticos.  

Eis que na última sessão parlamentar do ano findo, confrontei-me finalmente com a proposta de revisão da Constituição apresentada pela Bancada Parlamentar da FRELIMO e fiquei negativamente espantado com a mesma. Apesar daquela proposta conter, em certa medida, alguns aspectos pertinentes, na minha opinião estes aspectos, e muito menos a proposta global justificam o avultado custo de constituição e manutenção de uma Comissão Parlamentar Ad-Hoc.

Por vezes só depois de morto é que somos reconhecidos e constato com profundo apreço e consideração de que afinal de contas o saudoso deputado Francisco Machambisse (que Deus o tenha em paz) tinha razão ao insistir na entrega desta matéria a Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e de Legalidade ao invés de se gastar dinheiro com a criação de uma comissão ad hoc. De facto, analisando a proposta, ora submetida, pela bancada parlamentar da FRELIMO, tenho a sensação de que não existem motivos fundamentados para a criação de uma comissão ad hoc para analisar e conduzir um processo de revisão constitucional que na prática não é nada mais e nada menos do que uma alteração pontual da Constituição com o intuito de rever terminologias, introduzir uma e outra pontuação e eventualmente reforçar uma e outra competência de alguns órgãos, actividade que poderia perfeitamente ser feita pela comissão especializada do parlamento. Deste modo Pouparíamos dinheiro dos Moçambicanos o qual poderia ser aplicado na melhoria de variados serviços prestados pelo Estado ao cidadão.

Face a constatação de que, de facto, a criação da Comissão ad-hoc para a revisão da Constituição é impertinente e inoportuno, veio-me a ideia de que talvez a proposta apresentada pela Bancada parlamentar da FRELIMO esteja enquadrada numa estratégia daquela bancada de submeter uma “pseudo proposta” formal e “recomendar” a sociedade civil e a oposição “construtiva” para submeter a verdadeira proposta de revisão constitucional. Esta hipótese tem sido propalada com alguma regularidade nos últimos tempos pelos mídias.  

Se é realmente esta a estratégia da Bancada Parlamentar da FRELIMO, ela não é mais do que uma tentativa de ludibriar a sociedade civil moçambicana. Com efeito, ao se propalar que a proposta da FRELIMO está aberta a contribuições da sociedade civil e dos partidos sem assento parlamentar, estar-se-á a criar a falsa ideia de que o partido proponente amplia a participação do cidadão e cria expectativas falsas que não têm cobertura constitucional. É que de facto, a Constituição da República em vigor retira a possibilidade da Assembleia da República receber propostas de revisão constitucional vindas da sociedade civil ou de outras forças políticas, diferentes da proposta já depositada pela bancada da FRELIMO. Pois, o numero 1 do artigo 291 (Revisão da Constituição) diz e passo a citar: as propostas de alteração da constituição são da iniciativa do PR ou de um terço, pelo menos, dos deputados da Assembleia da Republica. Ora, sabendo que nem a RENAMO e muito menos o MDM separadamente ou até mesmo unidos, dispõem de um terço e uma vez que a FRELIMO já fez o depósito da sua proposta, então, qual a legitimidade constitucional para a sociedade civil ou qualquer outra forca politica mesmo que “construtiva” terá para propor alguma alteração constitucional de vulto?

Por uma questão de honra e de dignidade, julgo que nada mais resta á Assembleia da República, senão aceitar a proposta formulada pela Deputada Angelina Enoque da Bancada Parlamentar da RENAMO, e mandar dissolver a comissão ad hoc, remetendo a proposta, ora submetida pela bancada Parlamentar da FRELIMO, para a Comissão especializada do Parlamento e alocar a verba aprovada para o funcionamento da referida comissão ad hoc para outras actividades como por exemplo na Construção de 03 Berçários Regionais afectos aos Hospitais Centrais de Maputo, Beira e Nampula, assegurando deste modo um melhor atendimento as crianças recém nascidas, reduzindo os índices de mortalidade infantil e contribuindo de forma clara e contundente na melhoria da saúde materno infantil dos nossos cidadãos. Penso que este seria um gesto de nobreza e humildade do nosso Parlamento.

Que prevaleça a vontade política e o bom senso do nosso parlamento.