terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A CONSTRUÇÃO DO CORREDOR DE MOÇAMBIQUE: um imperativo nacional para o desenvolvimento.


A mobilidade voluntária de pessoas e bens do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico e vice e versa nem sempre ocorre de forma regular e condigna e nas condições apropriadas de segurança como é o desejo de todos os cidadãos e o anseio do Estado moçambicano. O fim da guerra, há mais de 20 anos, e o acelerado processo de reconstrução das infra-estruturas básicas, nomeadamente estradas e pontes têm estimulado esta mobilidade de pessoas e bens mas, muito ainda há por se fazer para que a satisfação dos cidadãos nesta área seja de facto integral.

Portanto, cabe a cada um de nós enquanto cidadãos de pleno direito deste país, contribuir, cada um à sua maneira, com ideias que visem melhorar a mobilidade de pessoas e bens de modo a estimular o desenvolvimento harmonioso e estável da nossa sociedade, a consolidação da unidade nacional e a dignidade do cidadão. É exactamente a pensar em tudo isso que julguei pertinente partilhar convosco algumas ideias, que acredito válidas, para o processo de planificação estratégica do desenvolvimento do nosso país.

A circulação rodoviária ligando o norte ao sul de Moçambique ainda depende exclusivamente da única estrada nacional (EN1) e, muitas das vezes, nas épocas chuvosas, a circulação nesta via tem sido interrompida ou dificultada deixando pessoas e bens à sua sorte e provocando avultados prejuízos à economia nacional e transtornos ao cidadão. O transporte aéreo ainda não é acessível para a maioria dos cidadãos e o monopólio da única companhia aérea a operar nestas rotas dificulta ainda mais a mobilidade de pessoas e bens. O Transporte Ferroviário, marítimo, fluvial e lacustre ainda é um sonho por ser realizado. Assim, poucas são as opções que os cidadãos têm, neste momento, para poder circular condigna e seguramente dentro do próprio território.  Com este cenário, o ambiente de negócios encontra entraves consideráveis com impactos ao nível dos custos elevados de produção e comercialização de bens e serviços.

Penso que valeria a pena reflectir-se sobre a possibilidade de, em parceria com o sector privado, construir-se uma nova estrada ligando o norte e o sul de Moçambique em alternativa a actual EN1 com portagens e demais infra-estruturas que propicie segurança e dignidade aos cidadãos de modo a que a ligação entre o norte e o sul não esteja dependente de uma única via de acesso. Paralelamente, poder-se-ia ainda no âmbito desta parceria público-privado providenciar-se a ligação marítima entre o Rovuma e o Maputo com barcos regulares de transporte de pessoas e bens. O mesmo esforço poderia ser também estendido para a construção de ramais de caminhos-de-ferro ligadas as linhas férreas existente e que permitissem também a ligação entre o norte e o sul do nosso país. Em complemento a estas iniciativas, julgo que poder-se-ia ainda, no âmbito desta parceria com o sector privado, atrair-se investidores interessados também na exploração do transporte fluvial que permitisse a ligação do interior para a costa, permitindo por exemplo que as pessoas e bens do Zumbo pudessem deslocar-se ao Chinde e dai pudessem deslocar-se por via marítima para o norte ou para o sul de Moçambique. A circulação das pessoas e bens em redor do Lago Niassa também poderia ser incentivada pelo Estado moçambicano juntamente com o Malawi e a Tanzânia através de barcos periódicos e regulares ligando os três países e permitindo a mobilidade das pessoas e bens ao redor do Lago e para fora do mesmo.

A este vasto e ambicioso projecto poder-se-ia atribuir o nome de Corredor de Moçambique. Muitos dirão que este projecto poderá ser uma utopia à curto e médio prazo mas estou convicto de que havendo vontade política e alguma imaginação e ousadia por parte dos nossos actuais governantes, poder-se-ia lançar, ainda neste mandato governamental, as bases para este projecto.

Devemos ser capazes de aproveitar as vantagens competitivas que o nosso país apresenta neste momento das descobertas de importantes jazigos de gás e carvão que associados à localização estratégica do nosso território na SADC e o potencial dos nossos portos e actuais caminhos-de-ferro para atrair e mobilizar parcerias estratégicas que agilizem e viabilizem estas pretensões.

A implementação de um projecto nestes moldes é, à partida, viável e económica e politicamente consensual e poderia não somente contribuir para o nosso almejado desenvolvimento como também para a promoção e consolidação da unidade nacional e uma efectiva integração territorial e regional do nosso pais tanto no contexto interno como no âmbito da SADC.

Acredito que um projecto desta natureza, embora à partida pareça envolver custos consideráveis e inacessíveis, trará um impacto real na qualidade de vida dos Moçambicanos, com a diminuição do custo de vida, e no tão almejado combate à pobreza absoluta bem como na diminuição das assimetrias regionais.

Acredito também que com este tipo de projecto deixaríamos de viver situações como as que acontecem actualmente em que numa parte do país há excedentes na produção agrícola, a qual acaba por apodrecer e noutra parte do país chora-se pela falta de comida.

Na minha opinião, parte do financiamento estatal para este projecto poderia provir de um dos fundos soberanos que o país pretende criar, à curto prazo, através dos rendimentos provenientes da renegociação dos mega projectos.

No meio das várias divergências e desentendimentos que normalmente caracterizam as sociedades como a nossa, esta poderia ser uma oportunidade soberana para unir todas as partes num objectivo comum: construir o Corredor de Moçambique e contribuir decisivamente para o nosso almejado desenvolvimento económico e social.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O SISTEMA FISCAL - OBJECTIVO ESTADO E DEVER DO CIDADÃO: SERÁ CONSTITUCIONAL A ACTUAL PROPOSTA DE REVISÃO DA LEI DO IRPS?


No ano passado escrevi um artigo de reflexão sobre o impacto do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRPS) na criação da riqueza nacional e no empoderamento dos cidadãos. Formulei, na ocasião, várias críticas sobre a actual Lei do IRPS e terminei, a referida reflexão, convidando o Governo a traduzir em acções concretas o propalado discurso e compromisso de combate à pobreza, submetendo à Assembleia da República uma proposta de revisão da legislação fiscal vigente de modo a corrigir as injustiças contra os cidadãos e particularmente o funcionário público e agente do Estado.

Um dos aspectos que defendia a sua revisão relacionava-se com os abatimentos de determinadas despesas nos impostos, o que é uma pratica em quase todo o mundo. Na altura, após consultar a legislação fiscal portuguesa, que é o sistema que mais se aproxima do nosso, havia feito duas constatações contraditórias:

·         Que a nossa legislação do IRPS era uma autêntica cópia da lei portuguesa no concernente à colecta deste imposto, mas,

·         Que era uma cópia imperfeita no tocante aos tipos de abatimentos que a lei portuguesa prevê.

Pois, nos termos da legislação portuguesa, podem ser abatidos ao rendimento do contribuinte, as despesas realizadas, para si e/ou para os membros do seu agregado, com a saúde, educação, juros e amortizações de dívidas contraídas com aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para habitação, rendas por contrato de locação financeira relativo à imóveis para habitação própria, seguros, imposto autárquico, planos individuais de poupança-reforma, donativos de interesse público que o cidadão concede às igrejas, instituições religiosas, escolas, associações comunitárias; entre outras despesas sociais.

Defendia eu que o Estado Português ao permitir os abatimentos acima descritos propiciava a sua acção reguladora e promotora do crescimento e desenvolvimento económico e social do país e permitia a construção e a consolidação de uma classe média sólida, factor indispensável ao desenvolvimento harmonioso e estável de qualquer sociedade.

Ora, isto não acontece ainda no nosso país. Os moçambicanos são, à luz da nossa legislação sobre o IRPS, obrigados a pagar este imposto, mas não têm o direito de fazer qualquer abatimento ao mesmo.

Portanto, eram estas e outras inquietações que levaram-me a escrever o referido artigo na expectativa de ver a legislação revista e as preocupações acauteladas em prol do interesse nacional.

Felizmente a minha sugestão mereceu o acolhimento favorável do Governo que acabou de submeter, em Novembro último, uma proposta de revisão da referida legislação. A proposta de revisão da Lei defende que, entre outros aspectos: i) os rendimentos do trabalho dependente deixem de ser englobados aos restantes rendimentos para efeitos de cálculo do imposto, sujeitando-se a retenção na fonte a título definitivo; ii) a fixação de um mínimo não tributável em 225.000,00 meticais/ano; iii) isentar do IRPS o subsídio de morte; iv) determinar que o estado civil do sujeito passivo deixe de influenciar a forma de cálculo do imposto e de declaração dos rendimentos, passando cada sujeito passivo a declarar os rendimentos próprios e de seus dependentes, etc...

Todas essas propostas são à partida bem-vindas e merecem o nosso acolhimento; no entanto, parece-me, salvo melhor entendimento, que a proposta pretende mais uma vez penalizar o contribuinte moçambicano visto que mais uma vez não preconiza qualquer tipo de abatimentos ao IRPS decorrentes de determinadas despesas, propiciando que o cidadão continue a ser dupla ou triplamente tributado diferentemente do que acontece no âmbito da legislação portuguesa (principal fonte de inspiração do nosso legislador).

Mais ainda, o Governo formula outras propostas cuja constitucionalidade é questionável e podem inviabilizar parte da estratégia governamental de combate a pobreza e da criação de uma classe média sólida, factor indispensável ao desenvolvimento harmonioso e estável de qualquer sociedade.

Por exemplo, a proposta de revisão defende uma taxa única de 20% para os rendimentos anuais colectáveis superiores a 225.000,00 Meticais. De acordo com esta proposta, todo aquele que aufira um salário mensal bruto acima de 18.000,00 meticais será tributado à uma taxa de 20%. Anteriormente esta taxa era variável e determinada em função de cada rendimento, mas hoje propõe-se que a taxa seja fixa independentemente de o cidadão auferir um salário mensal bruto de 19.000,00 meticais ou auferir um salário mensal bruto de 100.000,00 meticais ou acima deste montante.

Acontece que à luz da nossa Constituição da República o Estado tem como objectivo a edificação de uma sociedade de justiça social e o sistema fiscal é estruturado com vista a satisfazer as necessidades financeiras do Estado e das demais entidades públicas, realizar os objectivos da política económica do Estado e garantir uma justa repartição dos rendimentos e da riqueza.

Para tal o Estado moçambicano pugna pelo respeito ao princípio de igualdade que, conforme o Professor Doutor Jorge Miranda no Manual de Direito Constitucional, comporta dois sentidos: o da igualdade formal e o da igualdade material. O primeiro pressupõe que se trate a todos de igual maneira e o segundo pressupõe que se trate de igual forma situações iguais e de maneira diferente situações diferentes. Será então, constitucional tratar situações diferentes mas de maneira igual no caso da taxa única do IRPS?

A meu ver, o Estado moçambicano beneficiar-se-ia mais com um alargamento da base tributária e uma redução das taxas dos impostos em vigor permitindo que mais pessoas contribuam para o erário público, do que com o sistema ora em proposta.

Esta opção, quanto a mim, permitiria que os contribuintes moçambicanos, particularmente os funcionários públicos, contassem com mais recursos para melhorar sua qualidade de vida, aumentar a motivação pelo trabalho e eventualmente aumentar a poupança nacional, que certamente se reflectiriam no crescimento económico do país.

Ao agir assim, a meu ver, o Governo estaria a ser mais coerente com o seu propalado programa de combate a pobreza absoluta.

Uma outra questão ligada ao IRPS que a todos atormenta e que continua sem resposta na proposta de revisão, relaciona-se com o seguinte:

Porquê o Governo Moçambicano, através do Ministério das Finanças, notifica, imediatamente, o sujeito passivo devedor de imposto e não faz o mesmo no caso de o sujeito passivo ter direito ao reembolso de impostos indevidamente pagos?

Tratando-se do mesmo sujeito passivo, existirá alguma razão do tratamento diferenciado nos deveres (pagar Imposto) e direitos (reembolso do imposto) inerentes?

Onde é que está a lógica desta discriminação?

Ciente das responsabilidades acrescidas que o Governo tem nesta e noutras matérias, convido o Governo a traduzir em acções concretas o seu propalado discurso e compromisso de combate a pobreza, submetendo, de imediato, à Assembleia da República uma emenda a actual proposta de revisão da legislação fiscal vigente de modo a corrigir as injustiças contra os cidadãos e particularmente o funcionário público.

Por estar convicto de que muitos cidadãos partilham este sentimento, incluindo alguns membros do Governo e da nomenclatura política é que, mais uma vez, volto a escrever sobre esta temática na esperança de que o bom senso prevaleça e o interesse nacional seja acautelado e que o Governo presenteie aos seus cidadãos neste final de ano com um sistema fiscal mais justo e equitativo.