terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A CONSTRUÇÃO DO CORREDOR DE MOÇAMBIQUE: um imperativo nacional para o desenvolvimento.


A mobilidade voluntária de pessoas e bens do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico e vice e versa nem sempre ocorre de forma regular e condigna e nas condições apropriadas de segurança como é o desejo de todos os cidadãos e o anseio do Estado moçambicano. O fim da guerra, há mais de 20 anos, e o acelerado processo de reconstrução das infra-estruturas básicas, nomeadamente estradas e pontes têm estimulado esta mobilidade de pessoas e bens mas, muito ainda há por se fazer para que a satisfação dos cidadãos nesta área seja de facto integral.

Portanto, cabe a cada um de nós enquanto cidadãos de pleno direito deste país, contribuir, cada um à sua maneira, com ideias que visem melhorar a mobilidade de pessoas e bens de modo a estimular o desenvolvimento harmonioso e estável da nossa sociedade, a consolidação da unidade nacional e a dignidade do cidadão. É exactamente a pensar em tudo isso que julguei pertinente partilhar convosco algumas ideias, que acredito válidas, para o processo de planificação estratégica do desenvolvimento do nosso país.

A circulação rodoviária ligando o norte ao sul de Moçambique ainda depende exclusivamente da única estrada nacional (EN1) e, muitas das vezes, nas épocas chuvosas, a circulação nesta via tem sido interrompida ou dificultada deixando pessoas e bens à sua sorte e provocando avultados prejuízos à economia nacional e transtornos ao cidadão. O transporte aéreo ainda não é acessível para a maioria dos cidadãos e o monopólio da única companhia aérea a operar nestas rotas dificulta ainda mais a mobilidade de pessoas e bens. O Transporte Ferroviário, marítimo, fluvial e lacustre ainda é um sonho por ser realizado. Assim, poucas são as opções que os cidadãos têm, neste momento, para poder circular condigna e seguramente dentro do próprio território.  Com este cenário, o ambiente de negócios encontra entraves consideráveis com impactos ao nível dos custos elevados de produção e comercialização de bens e serviços.

Penso que valeria a pena reflectir-se sobre a possibilidade de, em parceria com o sector privado, construir-se uma nova estrada ligando o norte e o sul de Moçambique em alternativa a actual EN1 com portagens e demais infra-estruturas que propicie segurança e dignidade aos cidadãos de modo a que a ligação entre o norte e o sul não esteja dependente de uma única via de acesso. Paralelamente, poder-se-ia ainda no âmbito desta parceria público-privado providenciar-se a ligação marítima entre o Rovuma e o Maputo com barcos regulares de transporte de pessoas e bens. O mesmo esforço poderia ser também estendido para a construção de ramais de caminhos-de-ferro ligadas as linhas férreas existente e que permitissem também a ligação entre o norte e o sul do nosso país. Em complemento a estas iniciativas, julgo que poder-se-ia ainda, no âmbito desta parceria com o sector privado, atrair-se investidores interessados também na exploração do transporte fluvial que permitisse a ligação do interior para a costa, permitindo por exemplo que as pessoas e bens do Zumbo pudessem deslocar-se ao Chinde e dai pudessem deslocar-se por via marítima para o norte ou para o sul de Moçambique. A circulação das pessoas e bens em redor do Lago Niassa também poderia ser incentivada pelo Estado moçambicano juntamente com o Malawi e a Tanzânia através de barcos periódicos e regulares ligando os três países e permitindo a mobilidade das pessoas e bens ao redor do Lago e para fora do mesmo.

A este vasto e ambicioso projecto poder-se-ia atribuir o nome de Corredor de Moçambique. Muitos dirão que este projecto poderá ser uma utopia à curto e médio prazo mas estou convicto de que havendo vontade política e alguma imaginação e ousadia por parte dos nossos actuais governantes, poder-se-ia lançar, ainda neste mandato governamental, as bases para este projecto.

Devemos ser capazes de aproveitar as vantagens competitivas que o nosso país apresenta neste momento das descobertas de importantes jazigos de gás e carvão que associados à localização estratégica do nosso território na SADC e o potencial dos nossos portos e actuais caminhos-de-ferro para atrair e mobilizar parcerias estratégicas que agilizem e viabilizem estas pretensões.

A implementação de um projecto nestes moldes é, à partida, viável e económica e politicamente consensual e poderia não somente contribuir para o nosso almejado desenvolvimento como também para a promoção e consolidação da unidade nacional e uma efectiva integração territorial e regional do nosso pais tanto no contexto interno como no âmbito da SADC.

Acredito que um projecto desta natureza, embora à partida pareça envolver custos consideráveis e inacessíveis, trará um impacto real na qualidade de vida dos Moçambicanos, com a diminuição do custo de vida, e no tão almejado combate à pobreza absoluta bem como na diminuição das assimetrias regionais.

Acredito também que com este tipo de projecto deixaríamos de viver situações como as que acontecem actualmente em que numa parte do país há excedentes na produção agrícola, a qual acaba por apodrecer e noutra parte do país chora-se pela falta de comida.

Na minha opinião, parte do financiamento estatal para este projecto poderia provir de um dos fundos soberanos que o país pretende criar, à curto prazo, através dos rendimentos provenientes da renegociação dos mega projectos.

No meio das várias divergências e desentendimentos que normalmente caracterizam as sociedades como a nossa, esta poderia ser uma oportunidade soberana para unir todas as partes num objectivo comum: construir o Corredor de Moçambique e contribuir decisivamente para o nosso almejado desenvolvimento económico e social.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

O SISTEMA FISCAL - OBJECTIVO ESTADO E DEVER DO CIDADÃO: SERÁ CONSTITUCIONAL A ACTUAL PROPOSTA DE REVISÃO DA LEI DO IRPS?


No ano passado escrevi um artigo de reflexão sobre o impacto do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRPS) na criação da riqueza nacional e no empoderamento dos cidadãos. Formulei, na ocasião, várias críticas sobre a actual Lei do IRPS e terminei, a referida reflexão, convidando o Governo a traduzir em acções concretas o propalado discurso e compromisso de combate à pobreza, submetendo à Assembleia da República uma proposta de revisão da legislação fiscal vigente de modo a corrigir as injustiças contra os cidadãos e particularmente o funcionário público e agente do Estado.

Um dos aspectos que defendia a sua revisão relacionava-se com os abatimentos de determinadas despesas nos impostos, o que é uma pratica em quase todo o mundo. Na altura, após consultar a legislação fiscal portuguesa, que é o sistema que mais se aproxima do nosso, havia feito duas constatações contraditórias:

·         Que a nossa legislação do IRPS era uma autêntica cópia da lei portuguesa no concernente à colecta deste imposto, mas,

·         Que era uma cópia imperfeita no tocante aos tipos de abatimentos que a lei portuguesa prevê.

Pois, nos termos da legislação portuguesa, podem ser abatidos ao rendimento do contribuinte, as despesas realizadas, para si e/ou para os membros do seu agregado, com a saúde, educação, juros e amortizações de dívidas contraídas com aquisição, construção ou beneficiação de imóveis para habitação, rendas por contrato de locação financeira relativo à imóveis para habitação própria, seguros, imposto autárquico, planos individuais de poupança-reforma, donativos de interesse público que o cidadão concede às igrejas, instituições religiosas, escolas, associações comunitárias; entre outras despesas sociais.

Defendia eu que o Estado Português ao permitir os abatimentos acima descritos propiciava a sua acção reguladora e promotora do crescimento e desenvolvimento económico e social do país e permitia a construção e a consolidação de uma classe média sólida, factor indispensável ao desenvolvimento harmonioso e estável de qualquer sociedade.

Ora, isto não acontece ainda no nosso país. Os moçambicanos são, à luz da nossa legislação sobre o IRPS, obrigados a pagar este imposto, mas não têm o direito de fazer qualquer abatimento ao mesmo.

Portanto, eram estas e outras inquietações que levaram-me a escrever o referido artigo na expectativa de ver a legislação revista e as preocupações acauteladas em prol do interesse nacional.

Felizmente a minha sugestão mereceu o acolhimento favorável do Governo que acabou de submeter, em Novembro último, uma proposta de revisão da referida legislação. A proposta de revisão da Lei defende que, entre outros aspectos: i) os rendimentos do trabalho dependente deixem de ser englobados aos restantes rendimentos para efeitos de cálculo do imposto, sujeitando-se a retenção na fonte a título definitivo; ii) a fixação de um mínimo não tributável em 225.000,00 meticais/ano; iii) isentar do IRPS o subsídio de morte; iv) determinar que o estado civil do sujeito passivo deixe de influenciar a forma de cálculo do imposto e de declaração dos rendimentos, passando cada sujeito passivo a declarar os rendimentos próprios e de seus dependentes, etc...

Todas essas propostas são à partida bem-vindas e merecem o nosso acolhimento; no entanto, parece-me, salvo melhor entendimento, que a proposta pretende mais uma vez penalizar o contribuinte moçambicano visto que mais uma vez não preconiza qualquer tipo de abatimentos ao IRPS decorrentes de determinadas despesas, propiciando que o cidadão continue a ser dupla ou triplamente tributado diferentemente do que acontece no âmbito da legislação portuguesa (principal fonte de inspiração do nosso legislador).

Mais ainda, o Governo formula outras propostas cuja constitucionalidade é questionável e podem inviabilizar parte da estratégia governamental de combate a pobreza e da criação de uma classe média sólida, factor indispensável ao desenvolvimento harmonioso e estável de qualquer sociedade.

Por exemplo, a proposta de revisão defende uma taxa única de 20% para os rendimentos anuais colectáveis superiores a 225.000,00 Meticais. De acordo com esta proposta, todo aquele que aufira um salário mensal bruto acima de 18.000,00 meticais será tributado à uma taxa de 20%. Anteriormente esta taxa era variável e determinada em função de cada rendimento, mas hoje propõe-se que a taxa seja fixa independentemente de o cidadão auferir um salário mensal bruto de 19.000,00 meticais ou auferir um salário mensal bruto de 100.000,00 meticais ou acima deste montante.

Acontece que à luz da nossa Constituição da República o Estado tem como objectivo a edificação de uma sociedade de justiça social e o sistema fiscal é estruturado com vista a satisfazer as necessidades financeiras do Estado e das demais entidades públicas, realizar os objectivos da política económica do Estado e garantir uma justa repartição dos rendimentos e da riqueza.

Para tal o Estado moçambicano pugna pelo respeito ao princípio de igualdade que, conforme o Professor Doutor Jorge Miranda no Manual de Direito Constitucional, comporta dois sentidos: o da igualdade formal e o da igualdade material. O primeiro pressupõe que se trate a todos de igual maneira e o segundo pressupõe que se trate de igual forma situações iguais e de maneira diferente situações diferentes. Será então, constitucional tratar situações diferentes mas de maneira igual no caso da taxa única do IRPS?

A meu ver, o Estado moçambicano beneficiar-se-ia mais com um alargamento da base tributária e uma redução das taxas dos impostos em vigor permitindo que mais pessoas contribuam para o erário público, do que com o sistema ora em proposta.

Esta opção, quanto a mim, permitiria que os contribuintes moçambicanos, particularmente os funcionários públicos, contassem com mais recursos para melhorar sua qualidade de vida, aumentar a motivação pelo trabalho e eventualmente aumentar a poupança nacional, que certamente se reflectiriam no crescimento económico do país.

Ao agir assim, a meu ver, o Governo estaria a ser mais coerente com o seu propalado programa de combate a pobreza absoluta.

Uma outra questão ligada ao IRPS que a todos atormenta e que continua sem resposta na proposta de revisão, relaciona-se com o seguinte:

Porquê o Governo Moçambicano, através do Ministério das Finanças, notifica, imediatamente, o sujeito passivo devedor de imposto e não faz o mesmo no caso de o sujeito passivo ter direito ao reembolso de impostos indevidamente pagos?

Tratando-se do mesmo sujeito passivo, existirá alguma razão do tratamento diferenciado nos deveres (pagar Imposto) e direitos (reembolso do imposto) inerentes?

Onde é que está a lógica desta discriminação?

Ciente das responsabilidades acrescidas que o Governo tem nesta e noutras matérias, convido o Governo a traduzir em acções concretas o seu propalado discurso e compromisso de combate a pobreza, submetendo, de imediato, à Assembleia da República uma emenda a actual proposta de revisão da legislação fiscal vigente de modo a corrigir as injustiças contra os cidadãos e particularmente o funcionário público.

Por estar convicto de que muitos cidadãos partilham este sentimento, incluindo alguns membros do Governo e da nomenclatura política é que, mais uma vez, volto a escrever sobre esta temática na esperança de que o bom senso prevaleça e o interesse nacional seja acautelado e que o Governo presenteie aos seus cidadãos neste final de ano com um sistema fiscal mais justo e equitativo.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

A PERTINÊNCIA DOS HOSPITAIS UNIVERSITÁRIOS E DO USO DA TELE MEDICINA EM MOÇAMBIQUE.


Celebramos este ano o 37 ° ano da independência nacional e penso que vale a pena debruçarmo-nos um pouco mais sobre o acesso e particularmente sobre a qualidade dos serviços de saúde prestados ao cidadão e aos desafios que se apresentam a este sector nesta fase e no futuro imediato.

Fazendo um balanço justo e merecido não restam dúvidas de que a nacionalização da saúde e da educação e as políticas governamentais adoptadas para estes sectores no período imediatamente após independência foram as mais adequadas ao momento e transformaram tanto a saúde como a educação num direito de todo o cidadão e contribuíram decisivamente para a melhoria do acesso aos cuidados primários de saúde e da escolaridade das nossas populações, quer urbanas como rurais, quando comparadas com a situação vivida no período colonial. Hoje a nossa maior reivindicação, enquanto cidadãos, não é propriamente quanto a quantidade ou a expansão destes mesmos serviços mas é quanto a qualidade e a diversidade dos serviços prestados nestas duas áreas. Por exemplo, é um facto que não dispomos ainda de serviços de saúde em todas as localidades do nosso país mas é também verdade que o Serviço Nacional de Saúde funciona presentemente em todas as sedes distritais e em muitas localidades e até mesmo em quase todos os bairros dos centros urbanos e que, não obstante a fraca qualidade e a fraca diversidade dos serviços prestados, houve um grande salto quando comparado ao período imediatamente após independência. Se ontem a reivindicação era por causa da ausência dos serviços de saúde na maior parte do nosso território, hoje as reclamações resumem-se essencialmente na fraca qualidade dos serviços prestados, na carência de pessoal técnico e qualificado, na escassez ou insuficiência dos equipamentos de diagnóstico e tratamento médico, na constante ruptura de stock de medicamentos, nas enchentes e no mau atendimento que ainda se verifica em muitas unidades sanitárias e bem como nas dificuldades de acesso às unidades sanitárias, particularmente na época chuvosa isto nos meios rurais e nos bairros suburbanos dada a precariedade das vias de acesso e a limitação dos meios de transportes disponíveis nesses locais.

Portanto, estes e outros problemas persistem e perpetuam o sofrimento dos cidadãos e requerem de todos nós o empenho na busca de soluções mais ousadas visando ultrapassar estes obstáculos e oferecer mais e melhor saúde aos cidadãos com maior brevidade possível.

Nos anos imediatamente pós independência e no período logo após o Acordo Geral de Paz a população facilmente compreendia e tolerava as justificações quanto aos atrasos na implementação de políticas e programas sociais mais abrangentes e de qualidade. Hoje, mercê do acesso universal à educação e aos ventos da democratização da nossa sociedade é mais complicado encontrar justificações plausíveis e aceitáveis. A consciência política eleva-se a cada dia que passa e portanto, urge encontrar-se, a breve trecho, soluções sustentáveis e convincentes para os variados desafios que se impõem. Ainda bem que assim é e espero que a elevação da consciência dos direitos de cidadania seja contínua para que o cumprimento do contrato social seja integral e efectivo.

É exactamente pensando nisso que julguei pertinente dar o meu contributo propondo, numa primeira fase, a transformação dos actuais Hospitais Centrais de Maputo, Beira e Nampula, em Hospitais Universitários adstritos as Faculdades de Medicinas das Universidades Eduardo Mondlane, UniZambeze e UniLurio de modo a proporcionar estágios curriculares e acima de tudo a condução de pesquisas visando a melhoria dos serviços prestados pelos outros hospitais e Centros de Saúde nas regiões respectivas. É um facto de que neste momento estes três hospitais oferecem estágios mas o que proponho é que sejam transformado em hospitais de referência e mais dedicados às experienciais e às inovações médicas. Nessas cidades deveriam ser construídos outros hospitais em substituição destes. Os docentes/ médicos adstritos a estas Faculdades e Hospitais Universitários dedicar-se-iam mais à docência e à investigação do que propriamente à prestarem serviços nos outros hospitais. Estes hospitais universitários poderiam abrir programas dedicados especificamente ao estudo das nossas plantas medicinais e tradicionais através do intercâmbio com os médicos tradicionais e outros intervenientes nesse campo. Países como a China, a Índia e o Brasil implementaram, nas últimas décadas, programas interessantes na área da medicina verde que poderiam ser ajustados ao nosso contexto com múltiplos benefícios para os cidadãos mais carenciados que passariam a dispor de mais opções em medicamentos e de medicamentos a custos mais acessíveis do que os importados ou produzidos de forma convencional. É urgente despirmo-nos de alguns preconceitos com relação a medicina verde ou tradicional mas também acautelarmo-nos quanto aos perigos e danos graves que o seu uso desregrado pode causar à saúde humana. Defendo também que, em estreita articulação com estes hospitais universitários poderiam ser instaladas fábricas de medicamentos em parceria com o sector privado nacional e internacional. O acesso aos medicamentos deve ser uma prioridade nacional e independente da disponibilidade do financiamento dos parceiros da cooperação internacional. Não se pode ficar eternamente depende do auxílio externo para se providenciar medicamentos básicos aos cidadãos.

Na minha opinião, as Faculdades de medicina e os respectivos hospitais universitários deveriam merecer uma prioridade na elevação dos seus orçamentos de funcionamento e de investimento de modo a aumentar drasticamente o número de vagas que oferecem anualmente para a formação de mais médicos e poderem pagar melhores salários aos seus profissionais os quais deveriam ser incentivados a trabalharem em regime de exclusividade. Ninguém em sã consciência deverá ficar satisfeito e conformado com o actual número de estudantes de medicina que ingressam e saem das nossas Faculdades. É urgente atrair, de forma mais ousada, mais médicos e mais professores de medicina principalmente da China, Cuba, Índia e outros países asiáticos com excedentes de pessoal médico para suprir as nossas carências em médicos e muito em particular na formação de médicos e de outros profissionais de saúde. É urgente passar da retórica à prática e sem preconceitos e nem tabus assumir-se que ao ritmo actual de formação de médicos não se vai muito longe nem a médio e nem sequer a longo prazo.

Ainda no âmbito da proposta acima explanada defendo também a implantação de programas de TELESAÚDE, que consistiria em instalar-se Centros de Informática que possibilitem a ligação dos médicos especialistas e dos médicos estagiários aos outros médicos e estagiários afectos aos distritos das respectivas regiões de modo a criar a possibilidade de os médicos interagirem e esclarecerem dúvidas momentâneas, auxiliarem-se mutuamente em algumas intervenções de pequena e média cirurgia e na actualização e intercâmbio científico entre os profissionais de saúde espalhados pelos distritos. Ter um computador e estar ligado a internet não deveria ser um luxo, a todos os médicos e outros profissionais de saúde dever-se-ia atribuir esse direito. As operadoras de telefonia móvel a operar em território nacional deveriam ser encorajadas a custear os encargos com a linha verde (gratuita) que possibilitasse a ligação permanente entre os médicos afectos aos distritos e o Centro de Informática sediado nos hospitais universitários. A Televisão de Moçambique e a Rádio de Moçambique deveriam também reorientar os seus programas de saúde pública de modo a conciliar os seus conteúdos e os objectivos pretendidos com os dos hospitais universitários.

Acredito que deste modo ou de acordo com outras ideias que virem a surgir neste âmbito poderíamos elevar em parte a qualidade do Serviço Nacional de Saúde.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

POR UM MELHOR APROVEITAMENTO DA ÁGUA EM MOÇAMBIQUE.


Moçambique tem sido ciclicamente assolado por secas ou cheias. Todos os esforços até aqui empreendidos pelas nossas autoridades visando gerir estas situações têm fracassado, o que demonstra que, não obstante a boa vontade existente, a situação tende, ano após ano, a agravar-se e até mesmo a perpetuar-se. Assim, urge fazer-se algo de concreto e concertado que altere em definitivo a presente situação.

A ocorrência de secas ou cheias constantes e o aumento da demanda pela água na região da SADC e em Moçambique, em particular, requer das autoridades regionais e do Governo moçambicano a adopção de um mecanismo regional e eficaz de coordenação dos recursos hídricos com vista a um melhor aproveitamento da água por todos os intervenientes. Não se pode aceitar que, em pleno século XXI, ainda se lamente e se sofra, tanto pelo excesso como pela escassez deste precioso líquido, mais ainda quando todos sabemos que os principais rios da região austral de África passam pelo nosso território para desaguarem no oceano indico.

É um facto que os principais rios nascem em outros países da região e desaguam em Moçambique. Mas também é verdade que as nossas autoridades não só não decidem sobre a quantidade de água que deve passar pelo nosso território como não têm a capacidade de gerir e de reter parte da água que passa pelo nosso território de modo a irrigar os solos e propiciar o desenvolvimento da agricultura e da pecuária bem como a garantir que mais cidadãos tenham acesso à água potável que é um direito humano e um dos objectivos do milénio preconizado pelas Nações Unidas. Este estado de coisas é inconcebível e inaceitável em qualquer estado de Direito. Actualmente, e não obstante os acordos existentes entre os países da SADC no sentido de haver uma gestão conjunta dos recursos hídricos, os nossos vizinhos fazem as retenções de água que desejam e usam-na como bem entendem e, muita das vezes, originam situações de cheias ou de secas ao nosso país que está à jusante. Pois, actualmente, quando é tempo de seca, os países a montante fecham as comportas das suas barragens e a água chega a conta-gotas à Moçambique e quando é tempo chuvoso os mesmos países abrem as comportas e a água chega em grandes volumes, causando cheias inesperadas e destruição de vidas e de infra-estruturas sociais e económicas e afectando toda a economia do nosso país.

 

É interessante a nossa cíclica capacidade de lamentar quando chove e lamentar também quando não chove. Até parecemos um povo eternamente insatisfeito com a natureza e ingratos perante a mesma. A água ao invés de ser uma bênção acaba por ser também uma maldição para o nosso povo. Se no passado as nossas autoridades tradicionais pediam aos espíritos pela vinda da chuva, hoje não só apelam para que chova como também apelam para que não chova, dependendo da quantidade de água que é retida ou que é liberta pelos nossos vizinhos na região.

Entretanto, os países vizinhos de forma mais organizada e programada vão tirando dividendos da água que com sabedoria e astúcia retêm e armazenam e desenvolvem a agricultura, a pecuária, produzem a energia de que necessitam e ainda propiciam água potável para as suas populações e em última instância desenvolvem os seus países diante do olhar impávido das nossas autoridades, as quais nada mais resta-lhes senão apelar continuamente pelo auxílio alimentar internacional e recomendar que os nossos empreendedores importem dos países vizinhos, os alimentos que necessitamos para suprir as nossas carências alimentares. Esta situação tanto ocorre quando chove muito como quando há secas. Portanto, quer haja chuvas quer não haja, para nós, a desgraça é a mesma, talvez varia o momento em que fazemos o apelo para a ajuda de emergência e a quantidade ou ainda a localização dos estragos e o tipo de desgraça.

 

Procurando solucionar a situação acima descrita as nossa autoridades governamentais e o Estado moçambicano aprovaram a Resolução n.º 64/2004 de 31 de Dezembro de 2004 que ratifica o Acordo entre a República da Angola, a República do Botswana, a República do Malawi, a República de Moçambique, a República da Namíbia, a República Unida da Tanzânia, a República da Zâmbia e a República do Zimbabwe sobre o estabelecimento da Comissão do Curso de Água do Zambeze, celebrado em Kasane, Botswana, no dia 13 de Julho de 2003 e a Resolução n.º 53/2004 de 1 de Dezembro de 2004 que ratifica o Acordo Tripartido Interino entre a República de Moçambique, a República da África do Sul e o Reino Unido da Suazilândia sobre a Cooperação na Protecção e Utilização Sustentável dos Recursos Hídricos dos Cursos de Água do Incomáti e Maputo, celebrado em Johannesburg, África do Sul, no dia 29 de Agosto de 2002.

Decorridos mais de oito anos sobre os acordos acima referidos, os problemas não só persistem como tendem a agravar-se. Recentemente, o Governo anunciou que estão previstas secas para a região sul, em 2012, e cheias na região centro e norte ao longo dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2013.

É caso para questionar se os acordos celebrados com os países vizinhos estão ou não a ser cumpridos ou até mesmo é caso para revisitar estes acordos e verificar até que ponto os mesmos foram bem negociados e são benéficos para o nosso país e até que ponto os mesmos tenham provocado algum efeito útil.

Portanto, mais do nunca, exige-se das nossas autoridades governamentais um pronunciamento célere e convincente das acções concretas que estão a ser encetadas visando a inversão e não a protelação desta situação por tempo indeterminado. Não podemos mais alegar que não dispomos de instrumentos legais e de assessoria técnica quanto aos passos que devemos dar para estancar esta situação e transformar as fraquezas em oportunidades.

Penso que a gestão dos recursos hídricos deveria ser integrada, e, cada país que partilhe as bacias deveria fazer a sua parte e o nosso governo deveria dar uma atenção à construção da barragem de Moamba-Major e outras em todo o território nacional de modo a encaixar os volumes de água que volta e meia inundam as várias regiões do nosso país.

 

Finalmente, julgo também que deveríamos analisar seriamente o porquê dos Acordos bilaterais e multilaterais estarem a falhar e a quem exigir responsabilidades de modo a que os mesmos venham a ser respeitados e implementados integralmente. Aproveitemos a oportunidade soberana de o nosso país estar neste preciso momento na presidência da SADC para exigir-se um maior respeito por aquilo que acordamos mutuamente. Porque se não formos capazes de exigir pelo cumprimento dos acordos mesmo estando na presidência deste Órgão quem garante que o sejamos capazes de o fazer no futuro quando a presidência, que é rotativa, passar para um outro país da região. Ao menos isso as nossas autoridades deveriam ser capazes de fazer, se não é pedir muito.

 

Mais do que tudo, julgo ter chegado o momento de as nossas autoridades governamentais perceberem e aceitarem de que o poder só é efectivo e legitimado quando o mesmo se casa com o saber. Porque não existe de facto poder dissociado do saber. Ambos se complementam.

 

 

 

 

 

 

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

QUE O DIÁLOGO PREVALEÇA EM PROL DA MANUTENÇÃO DA PAZ EM MOÇAMBIQUE.



Comemoramos, há menos de um mês, 20 anos de concórdia e de harmonia entre os moçambicanos. Festejamos, cada um à sua maneira, os 20 anos de paz. Estes 20 anos testaram a nossa capacidade e vontade de viver em harmonia e demonstraram que a paz é o bem mais precioso que temos mesmo quando comparado com as recentes descobertas de importantes jazigos de carvão, gás natural e outras riquezas disponíveis no nosso solo pátrio. As riquezas só se tornarão numa bênção se os nossos actuais governantes e políticos souberem preservar a paz e a concórdia entre os moçambicanos. De contrário toda a riqueza não passará de uma maldição e as elites políticas actuais poderão, um dia, ser julgadas e condenadas pelas gerações vindouras por terem promovido a desgraça e a humilhação dos seus concidadãos que nada tinham a ver com a ganância desmedida de alguns governantes e políticos e que não souberam, na altura, enxergar que somente dialogando, ampliando os espaços de participação política e repartido os benefícios dos recursos naturais de forma equitativa é que se poderia construir uma sociedade justa e estável. A arrogância e o sentimento de vencedor de nada servirão se o país acordar aos tiros. A propalada auto estima e o orgulho de ser moçambicano somente terá sentido se nos próximos 20 anos voltarmos a comemorar, em paz, mais 20 anos de paz ininterrupta. O resto “é conversa para boi dormir”.

Certamente que haverá muita gente, aparentemente de bom senso, que estará interessada na discórdia e no desentendimento entre os moçambicanos, pois, só assim, poderão tirar maiores dividendos das riquezas do nosso país. Não restam dúvidas de que a nossa discórdia servirá aos interesses alheios aos desígnios nacionais e perpetuará a nossa pobreza e o nosso subdesenvolvimento socioeconómico. Divididos nunca poderemos usufruir condignamente das nossas riquezas e nem sequer distribuir, de forma justa e equitativa, os benefícios destes mesmos recursos pelos cidadãos deste país, que é a razão de existência dos nossos governantes.

Preocupa-me e por vezes até repugna-me escutar algumas vozes que encaram com desprezo ou com indiferença as reivindicações constantes do Líder da Oposição, Afonso Dhlakhama e seus correligionários. Não restam dúvidas de que muitas das suas reivindicações deveriam ter sido acauteladas durante as negociações que culminaram com a assinatura dos Acordos de Paz em Roma e que deveriam ter sido implementadas durante a vigência desses acordos ou seja no período anterior as primeiras eleições multipartidárias ou ainda na pior das hipóteses antes da entrada em vigor da nova Constituição da República que foi aprovada por consenso e unanimidade pela Assembleia da República. Certamente que isto não aconteceu porque algo falhou, e, se algo falhou, naturalmente que as culpas deverão ser repartidas por ambas as partes, signatárias dos Acordo e que a maior responsabilidade deverá ser atribuída a quem detêm o poder político efectivo: ao governo do dia. E cabe, portanto, neste caso em apreço, às autoridades governamentais e a liderança da RENAMO sentarem à mesa e corrigirem o que tiver de ser corrigido sem precisar de intermediação externa e, mais do que nunca, sem antes pôr em causa a nossa dignidade como Estado soberano.

Não nos esqueçamos, caros cidadãos, que as actuais reivindicações do Líder da Oposição, Afonso Dhlakhama, têm sido repetidas ao longo dos anos e muitas delas têm também sido repetidas pela sociedade civil em geral e muito recentemente pela Igreja Católica. Tanto a sociedade civil moçambicana como os religiosos moçambicanos têm exprimido a sua indignação e condenação pela excessiva partidarização do Estado, pela forma pouco transparente como os processos eleitorais têm decorrido, pela ausência de uma lei eleitoral consensual que propicie eleições justas, livres e transparentes, pela exclusão ou reforma compulsiva dos soldados provenientes da RENAMO no exército moçambicano, pela predominância das elites económicas do partido no poder e mais recentemente de uma única ala deste partido nos benefícios das riquezas nacionais em detrimento de outros actores políticos e do cidadão em geral, etc.

Portanto, tudo o que o Líder da Oposição, Afonso Dhlakhama, hoje tem estado a reivindicar não é novidade para ninguém e varias foram as iniciativas de diólogo desencadeadas e promovidas tanto por ele como pelo anterior Presidente da República, Joaquim Chissano assim como pelo actual Presidente, Armando Guebuza, tudo visando aproximar as partes e encontrar-se as soluções mais apropriadas e que satisfizessem ambas as partes. Esses encontros foram sempre encorajados e enaltecidos pelos moçambicanos. Mas, para que hoje, mais uma vez, o Líder da Oposição, Afonso Dhlakhama, volte a fazer as mesmas exigências é porque certamente algo não terá corrido a contento nos encontros até aqui havidos. Provavelmente, para além da troca dos números de telefone entre ambas as partes, muito provavelmente pouco se terá avançado nos pontos relevantes e por isso é que chegou-se ao ponto actual.

Não restam dúvidas de que deverá haver um encontro, o mais rapidamente possível, entre o Presidente da República, Armando Guebuza e o Líder da Oposição, Afonso Dhlakama e não importa que o mesmo se realize em Maputo, em Manica ou em Sofala mas que seja de preferência em território moçambicano e que nesse encontro ambas as partes estejam predispostas a discutir com franqueza e sinceridade as reivindicações apresentadas pela RENAMO. Como cidadãos deste país não gostaríamos de voltar a ouvir que trocaram somente os números de telefone e que se falam regularmente ao telefone, o que os moçambicanos querem é que estas duas personalidades discutam tudo quanto tenham para discutir e cheguem aos consensos necessários e possíveis para que este assunto não volte mais a afectar a vida deste povo.

Enquanto cidadãos deste país queremos continuar a usufruir da nossa santa paz e concórdia entre nós e não iremos aceitar que alguém hipoteque a paz que é uma conquista que muito sangue custou ao povo moçambicano e que todos temos a obrigação de lutar para a sua preservação. Que Armando Guebuza e Afonso Dhalakama se encontrem, conversem, acertem as diferenças e obtenham os consensos nacionais para que a paz e a democracia se mantenha e floresça. Este é o desejo de todos os cidadãos deste país comprometidos com a verdade e com a estabilidade. Nada de radicalismo e de extremismos de ambas as partes.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

OS BURACOS E AS CRATERAS NAS ESTRADAS E PASSEIOS DA CIDADE DE MAPUTO: A QUEM PEDIR SOCORRO?



Em meados deste ano escrevi, neste mesmo espaço, sobre o problema das estradas e passeios da nossa cidade, problema este que afecta os munícipes bem como os visitantes desta cidade e causam mau aspecto à mesma.

Na altura foi-nos dito, pelo Município de Maputo, que o mesmo não podia reabilitar as estradas em época chuvosa mas, estranhamente, a época seca chegou e foi-se embora sem que o nosso Município reabilitasse as estradas. Uma vez mais, as desculpas não se fizeram esperar, desta feita, a justificação usada foi a de que não havia alcatrão no mercado nacional e portanto, teríamos de aguardar pela chegada do alcatrão que na altura estava em processo de importação. Desde essa altura para cá, nada foi feito, salvo uma e outra intervenção pontual. Enquanto isso, os cidadãos e demais utentes das estradas desta Cidade vão arcando com as consequências da má gestão municipal que se tornou uma dura realidade nos últimos tempos.

Estamos outra vez a entrar para a época chuvosa, aquela que já nos foi dito não ser a mais apropriada para se realizar a manutenção e reabilitação de estradas, e verificamos com preocupação que, já no início desta época, as estradas já estão num estado lastimável, o que será das nossas estradas no final da época chuvosa? Se já agora o cidadão pensa duas vezes antes de colocar o seu carro nas estradas desta cidade, mas tem de o fazer porque não dispõe de outras alternativas de transporte, o que dirá depois da época chuvosa? Por que será que sempre são os cidadãos os eternos sacrificados? Estaremos nós os cidadãos órfãos das entidades encarregues da gestão municipal? Até quando teremos de suportar esta situação?

Actualmente o nosso Município faz-se de cego, surdo e mudo e simplesmente escusa-se de justificar a razão do estado lastimável das nossas estradas, no entanto, qualquer munícipe atento verifica que nos troços mais danificados está-se a utilizar cimento ao invés do alcatrão para tapar os buracos mais profundos nas estradas. Será que até hoje estamos a espera do alcatrão importado há alguns meses atrás? Será que o Município na sua já característica apatia esperou acabar o alcatrão no mercado nacional para proceder a sua importação? Será que são os munícipes que têm de, uma vez mais, ser responsabilizados pela má gestão e falta de planificação dos nossos órgãos municipais? Que Estado de direito é este em que os direitos dos cidadãos são constantemente e impunemente postos em causa?

Hoje, diante da vergonhosa situação vivida nas nossas ruas e nos passeios, surgiu a iniciativa de se tapar os buracos com cimento e em época chuvosa.

Confesso que não obstante ao facto de pouco entender de construção civil e de não ter nada contra o uso de cimento para tapar buracos e ainda mais em época chuvosa, não estou muito confiante de que os nossos técnicos municipais estejam a seguir escrupulosamente com o estipulado neste tipo de material de construção e nesta época do ano para que não voltemos a ter brevemente buracos nos mesmos locais. Pela lentidão ou até mesmo aparente falta de vontade demonstrada pelas equipas que estão no terreno tenho sérias dúvidas de que os famosos buracos e crateras serão de facto tapados ainda neste ano.

Caros leitores, todos sabem que o nosso país não produz alcatrão assim como sabem que também não produz uísque. No entanto, verificamos que diferentemente do uísque, que nunca falta no nosso mercado, o alcatrão está sempre em falta porque a entidade responsável pelo processo de importação não tem a capacidade de perceber que o alcatrão é prioritário e devia ser importado com a devida antecedência. Qual é a razão desta situação? Não estaremos aqui perante uma manifesta falta de planificação? De quem é a responsabilidade disto? E porque é que devem ser sempre os cidadãos a suportar a falta de planificação de quem tem por obrigação servir ao cidadão e não servir-se do cidadão? Fico, cada vez mais, surpreso quanto as reais prioridades de desenvolvimento do nosso país.

Dentro de alguns dias comemora-se mais um aniversário desta nossa cidade e ao invés de celebrarmos com alegria e dignidade esta data festiva, fazemo-lo com lamentações e pena do estado de abandono, desleixo e deixa andar a que está votada a nossa cidade. Ora, caro e estimado Edil, quando é que de facto teremos as estradas em condições de circular decentemente? Quando é que o cidadão poderá sentir que de facto valeu a pena pagar os impostos e renovar ciclicamente o seu contrato social com os governantes municipais da nossa cidade? Em suma, quando é que os buracos e as crateras deixarão de ser a referência obrigatória da nossa cidade e passarão para a história como uma triste recordação.

Enquanto isso e dada a morosidade neste trabalho de emergência, os amortecedores das nossas viaturas vão se danificando, alguns acidentes de viação vão ocorrendo mas ainda assim o Estado vai cobrando os impostos que são devidos pelo cidadão para depois repassar, parte deles, ao Município (Compensação Autárquica) para além do imposto automóvel que todos os utentes das viaturas pagam directamente ao Município.

Portanto, o Município vai recebendo as verbas e colectando os impostos mas a mesma não é devidamente aplicada na melhoria da vida dos seus munícipes e nada se diz do que se faz com ela no final do ano económico. É tempo de começarmos a exigir a prestação de contas públicas, pois não se percebe o porquê de, por um lado se colectar os impostos e por outro lado não se reabilitar as estradas e mesmo assim, terminado o ano económico, não se procede a devolução dos impostos cobrados indevidamente pelo Estado (Município) ao cidadão. Afinal os impostos não são uma comparticipação do cidadão nos serviços a serem prestados pelo Estado? Não se realizando o fim a que se destinam, o mais lógico e sensato não seria o de o Estado e neste caso em apreço o Município devolver o imposto indevidamente cobrado ao cidadão?  

Por algum motivo decidiu-se pela descentralização da colecta do imposto automóvel e outros e creio que a maior razão se prendia exactamente com a falta de liquidez por parte dos Municípios para arcarem com os custos de manutenção periódica das estradas. Ora, se mesmo com recursos adicionais não se consegue proporcionar estradas condignas aos cidadãos então que se devolva directamente ao cidadão o imposto que se colectou ou então ao Governo central para que a verba seja investida em outras áreas de real impacto na vida dos cidadãos. O que não se admite ou não devíamos aceitar é que se colecte impostos e, não obstante não se saber da sua real aplicação, deixemos que a verba fique na alçada do Município e seja sujeito a outras aplicações que muitas das vezes não têm a ver com a melhoria das nossas vidas que é a razão de pagar-se os impostos. O cidadão encontra-se hoje numa situação em que é obrigado a contribuir para o melhoramento das vias do Município, mas encontra-se impedido de beneficiar daquilo que seria consequência directa da sua contribuição - a melhoria das vias. Para piorar a situação, o cidadão é ainda obrigado a ter a sua viatura em condições de ser aprovada nas inspecções periódicas. Que pacto social é este que só uma parte é que cumpre? A quem o cidadão deverá pedir socorro para inverter este triste e lamentável cenário?

 

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A QUALIDADE DA GASOLINA QUE CONSUMIMOS: À QUEM EXIGIR RESPONSABILIDADES?


Nas últimas semanas têm sido reportados vários casos relacionados com avarias de viaturas ligeiras alegadamente por causa de problemas derivados da qualidade da gasolina comercializada na nossa cidade capital e quiçá no resto do país e que tem como consequência a danificação das bombas de gasolina das viaturas e outros equipamentos da mesma. Estranhamente nenhuma autoridade governamental quer seja ao nível central quer ainda ao nível municipal se dignaram em prestar algum esclarecimento público sobre a matéria não obstante o caso ter já merecido um destaque noticioso e uma reportagem por parte de uma televisão e de um jornal privado reportando a gravidade e o número de casos até ao presente ocorridos. O mais caricato é que o cidadão, não obstante pagar o imposto automóvel (IA), o imposto pessoal autárquico (IPA), o imposto sobre o rendimento da pessoa singular (IRPS), entre outros impostos, não tem uma estrada em condições de circular e por consequência tem de substituir regularmente os amortecedores e outras peças da sua viatura e agora, como se não bastasse, tem ainda de substituir as bombas de gasolina e deitar fora todo o combustível do depósito. Uma vez mais ninguém assume a responsabilidade por estes danos e não encontramos da parte do nosso Estado qualquer tipo de protecção à esta situação vivida pelos Moçambicanos. Ao Estado, na qualidade de representante dos cidadãos e na qualidade de agente regulador e fiscalizador da actividades das empresas privadas que se dedicam à importação e comercialização de combustível, cabe apurar responsabilidades e aplicar as devidas sanções pelos danos que estão a causar aos cidadãos, pois trata-se de uma situação pública e notória que deveria, de imediato, gerar, ao nível do Estado, uma acção na tentativa de se apurar os reais contornos do problema e quais as eventuais consequências que este combustível pode provocar nos automóveis  e por consequência nos bolsos dos consumidores. É este o contrato social celebrado entre os cidadãos e o Estado. Como é que se pode elevar a auto-estima do cidadão se todos os dias surgem adversidades que inviabilizam e lesam a dignidade e os direitos fundamentais do cidadão e ninguém vem em seu socorro? Será possível que num estado de direito os cidadãos não tenham os seus direitos salvaguardados pelo Estado? A quem o cidadão deve dirigir-se pedindo responsabilidades se aqueles com quem celebrou um contrato social até ao momento continuam “mudos” diante da sua desgraça?

O mais grave pode estar ainda por vir caso as autoridades governamentais não se organizem para lidar de forma célere e eficaz com esta situação. Estou a imaginar as consequências caso está situação se mantenha e se alastre para outro tipo de combustível, por exemplo o combustível que abastece os nossos aviões. Espero que o diabo seja surdo e que esta calamidade acabe imediatamente e não afecte aos nossos aviões. Outro perigo também eminente é o caso desta calamidade vir também a afectar os “chapa cem” com todas as consequências sociais que conhecemos. Portanto, mais do que nunca deve-se exigir das autoridades governamentais um pronunciamento célere e convincente sobre o que está de facto a passar-se e a quem deve-se exigir responsabilidades na reparação dos danos sofridos. Recordo-me que o nosso Parlamento aprovou a Lei de defesa do consumidor e que na altura compareceram na sessão parlamentar as organizações de defesa dos direitos dos consumidores mas não se vê, até ao presente momento, nenhum pronunciamento destas mesmas organizações. Enquanto isso o pobre cidadão vai ter de fazer das tripas o coração e com o já magro rendimento ter ainda de suportar as despesas extras com a reparação das suas viaturas. Até quando o cidadão terá de suportar estas injustiças todas?  Porquê que a entidade responsável pela importação, armazenamento e comercialização do combustível não presta um esclarecimento público sobre o que está de facto a acontecer, quais os cuidados que deve-se ter, em quais bombas pode-se com segurança abastecer as viaturas, a quem requerer a indemnização pelos danos sofridos até ao momento, quais os cuidados que estão a ser tomados para evitar que está situação atinja os aviões, quais as medidas adoptadas para corrigir definitivamente a situação, etc. Estas e outras questões deveriam ser devidamente esclarecidas o mais breve possível.

Defendo que o Conselho de Ministro deveria nomear uma comissão de inquérito multissectorial que inclua especialistas da área dos combustíveis, da polícia de investigação criminal (PIC) e do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SISE) para efectuar uma investigação mais aturada sobre este assunto de modo a tomar-se a decisão mais certa e duradoura sobre este tipo de ocorrência.

Hoje esta calamidade só está a atingir os carros movidos a gasolina mas ninguém garante-nos que as viaturas movidas a gasóleo não venham também a ser atingidas. Portanto, exige-se uma atitude célere e contundente das nossas autoridades governamentais e uma maior responsabilidade comercial da entidade responsável pelo processo de importação, armazenamento e comercialização destes preciosos líquidos que fazem mover ou paralisar a economia de um país.

 

 

 

 

 

 

 

domingo, 21 de outubro de 2012

A REFORMA DO SERVIÇO NACIONAL DAS PRISÕES EM MOÇAMBIQUE



2. O melhor aproveitamento da mão-de-obra reclusa na promoção da economia nacional.


O cenário que se vive hoje em muitas cidades moçambicanas, particularmente a de Maputo e Beira é a existência de centros de reclusão nos centros destas cidades. Este factor, quanto a mim, dada a exiguidade de espaço, impede de certa forma, a que sejam desenvolvidos projectos, no interior destes centros de reclusão que tornem os mesmos auto sustentáveis e torne a população numa população activa e que contribua para a economia moçambicana.

Deste modo, proponho para esta edição, uma continuação da reflexão iniciada na edição passada acerca das prisões moçambicanas.

Dado ao cenário acima referido surgem-me as seguintes questões: Haverá, de facto, alguma razão ponderosa de se manter as cadeias nos centros das cidades e a população prisional ociosa como acontece actualmente ou esta situação decorre da herança do passado colonial? Será que estaremos de facto a contribuir para a reabilitação dos reclusos e para a reintegração dos mesmos na vida em sociedade ao deixarmos que os mesmos permaneçam dias, meses, e anos fechados nas suas celas e levando uma vida ociosa? Será que é justo que os Moçambicanos paguem a factura elevada para sustentar os reclusos enquanto os mesmos permanecem enclausurados e ociosos? Será que estes reclusos estão livres do dever de contribuir para a economia do país e para o desenvolvimento do mesmo? O que impede que se construam centros de reclusão fora das cidades onde os reclusos possam praticar actividades agro-pecuárias ou outras que possibilitem custear a sua permanência nas cadeias, melhorar a dieta alimentar e até contribuir para a economia nacional? Não será agora altura de adoptarmos políticas de aproveitamento da mão-de-obra reclusa, à semelhança de outros países amigos?

Estas e outras questões levantam-se à volta do tema hoje em reflexão.

No que se refere ao aproveitamento da mão-de-obra reclusa, certamente que haverá quem questione acerca dos Direitos Humanos destes reclusos e acabe por concluir que o aproveitamento desta população consubstanciaria numa violação dos direitos humanos dos mesmos.

No entanto, salvo melhor entendimento, temos de ter em conta que as concepções acerca dos direitos humanos dependem da perspectiva em que se analise a questão. Por exemplo, os reclusos em idade economicamente activam que se mantêm anos numa cela sem nenhuma actividade geradora de rendimentos e um recluso que esteja enquadrado numa actividade geradora de rendimentos nos mais variados ramos de actividade quem destes dois tem os seus direitos humanos melhor salvaguardados?

Portanto, sou da opinião que pôr os prisioneiros a trabalhar e a contribuir para a sociedade não consubstancia uma violação dos direitos humanos. Este exemplo vem a propósito das críticas que têm sido formuladas às autoridades chinesas por, alegadamente, enviarem prisioneiros para trabalhar nas obras de construção civil realizadas pelas empresas públicas chinesas em África. Pessoalmente, penso que os reclusos chineses a quem lhes é concedida a possibilidade de cumprir as suas penas nessas modalidades, têm os seus direitos humanos melhor salvaguardados e a sua reinserção social no mercado de trabalho assegurada quando comparado aos modelos de reclusão ocidentais e que muitos dos nossos países adoptaram e aceitamos como sendo os mais adequados.

O nosso Orçamento de Estado é exíguo e os cidadãos já pagam elevados impostos que deveriam ser investidos na melhoria das condições de vida da população em geral, cabendo aos centros de reclusão criar as condições de auto – sustento e até mesmo de geração de rendimentos que reforçassem os exíguos orçamentos dos nossos centros educacionais e sanitários ao longo de todo o país. Ao estado caberia assegurar a segurança adequada dos locais de reclusão, a assistência medica e medicamentosa apropriada e a oferta de cursos de capacitação profissional, cabendo a população reclusa contribuir para a sua própria alimentação e até mesmo retribuição a sociedade através da prestação de diferentes serviços para a sociedade e para a economia nacional.

Recordo-me que na década de 80, eram os reclusos que realizavam a limpeza e outras actividades afins nas camaratas dos estudantes do curso de relações internacionais na Escola Central do Partido Frelimo na Matola onde encontrávamo-nos alojados nessa altura. Portanto, há muitas formas de ocupar e rentabilizar a população reclusa de modo a contribuir para ela própria e para a sociedade em geral.

Deste modo, convido toda a sociedade moçambicana a reflectir sobre esta questão e emitir as suas opiniões acerca das soluções que podem ser adoptadas para a solução do mesmo. O que estou certo é que não é justo que os membros da sociedade, que são os que sofreram com os actos ilícitos praticados pelos reclusos e que os conduziram a prisão, venham depois a ter que contribuir para o sustento dos mesmos durante a sua vida em reclusão.

Decerto que os constrangimentos acerca da disponibilidade de recursos serão apontados como um dos factores que impedem a transferência das cadeias para fora das cidades mas será que não é preferível redefinir-se agora algumas rubricas do orçamento do Estado para se alcançar, a médio e longo prazo, um impacto positivo neste mesmo orçamento através de uma diminuição dos custos decorrentes da sustentabilidade das cadeias?

Assim, sou da opinião que qualquer alteração das condições actuais visando um aproveitamento da mão-de-obra reclusa deve necessariamente ser acompanhada de um reforço significativo dos mecanismos de segurança para evitar a evasão dos mesmos aquando da realização das actividades que lhes sejam acometidas.

Actualmente, com o avanço da tecnologia existem vários instrumentos e mecanismos que podem ser adoptados e que contribuirão para o reforço da segurança.

Por outro lado, defendo que, paralelamente às acções que possam ser adoptadas para pôr os reclusos a contribuir para a sociedade é necessário que a sociedade reflicta acerca da adopção de penas alternativas destinadas aos que cometem pequenas infracções, descongestionando assim as cadeias.  

terça-feira, 16 de outubro de 2012

A REFORMA DO SERVIÇO NACIONAL DAS PRISÕES EM MOÇAMBIQUE


1.  A conversão dos dejetos humanos em bio-gás para aquecer os fornos das cozinhas das prisões.

Há mais de 37 anos que as nossas autoridades governamentais têm vindo a ensaiar vários modelos de gestão dos serviços prisionais tendo em vista proporcionar aos cidadãos condenados à penas de prisão o cumprimento das mesmas em condições humanamente aceitáveis e a preparação dos mesmos para a sua reintegração futura na sociedade de modo a reduzir-se os casos de reincidência criminal após o cumprimento das penas de prisão.

As nossas cadeias albergam o dobro da capacidade instalada e, não obstante os esforços até ao presente momento havidos, que se prendem com a ampliação e reabilitação das cadeias existentes e na construção de novas cadeias; o problema da superlotação, sustentabilidade, salubridade, viabilidade e segurança das cadeias persistem e, em alguns casos, tendem a agravar-se. Portanto, é urgente fazer-se uma reflexão profunda sobre a matéria e tomar-se as decisões mais acertadas e sustentáveis com vista a inverter-se este triste cenário a curto e médio prazo.

Hoje pretendo refletir e discutir sobre a necessidade de se adoptar novas estratégias para a gestão dos resíduos humanos dos reclusos.

Actualmente as prisões têm recorrido às fossas sépticas para eliminar resíduos humanos e que representam um risco crescente de saúde para os reclusos e funcionários penitenciários. No entanto, não se faz o devido aproveitamento destes dejectos visto que os mesmos podem ser transformados em combustíveis alternativos que poderiam ser utilizados tanto para melhorar as condições de saúde e higiene nas cadeias como para reduzir em mais de 30% a quantidade de madeira normalmente utilizada para cocção de alimentos nas prisões e assim reduzir-se o impacto orçamental actual das prisões moçambicanas.

Consultando, na internet, a página oficial do Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV), apercebi-me de uma experiência bem-sucedida no Ruanda e que acredito que poderia ser perfeitamente adaptável ao nosso contexto e com resultados satisfatório tanto na melhoria das condições de saúde e higiene dos prisioneiros e funcionários penitenciários como na preservação das nossas florestas e na racionalização dos gastos com a aquisição de lenha, carvão ou gás utilizado na confecção dos alimentos. É que os dejectos humanos são uma rica fonte de energia, quando convertidos em biogás.

De acordo com o CICV, as fossas sépticas eram um crescente risco de saúde tanto para os prisioneiros como para os funcionários penitenciários no Ruanda mas, graças a um projecto do CICV, os dejectos humanos passaram a ser convertidos em biogás que é hoje utilizado para aquecer os fornos das cozinhas nas prisões.

O CICV concebeu um programa visando construir e reformar os sistemas de biogás em várias prisões ruandesas. Esses sistemas reduziram em pelo menos 30% a quantidade de madeira normalmente utilizada para cocção de alimentos nas prisões e representam hoje uma alternativa energética de longo prazo que podem reduzir gradualmente a pressão sobre os recursos florestais do Ruanda e além do biogás, esses sistemas produzem ainda resíduos líquidos e compostos que podem ser utilizados para fertilizar a terra.

Portanto, penso que as nossas autoridades governamentais deveriam aproveitar a experiência ruandesa para tornar mais humanas as condições nas nossas cadeias e para reduzir os custos da aquisição de lenha, gás e carvão normalmente utilizados na confecção de alimentos nas nossas cadeias. Os resíduos líquidos e compostos também produzidos por estes sistemas poderiam contribuir na melhoria da produção agrícola nas nossas cadeias de modo a minimizar os gastos com a compra de alimentos e contribuir decisivamente na diversificação e melhoria da dieta alimentar dos prisioneiros e dos funcionários penitenciários.

Penso que o Serviço Nacional de Prisões do nosso país em parceria com a Universidade Eduardo Mondlane poderia, perfeitamente, conceber um programa neste sentido e solicitar a assessoria do CICV com vista a transferência das habilidades e competências acumuladas no Ruanda para as nossas autoridades penitenciárias.

É tempo de começar-se a pensar em estratégias que tornem mais sustentáveis as prisões moçambicanos e menos ociosas a sua população prisional. Pois, tudo isso pesa no bolso dos contribuintes moçambicanos e no Orçamento do Estado.

(Continua na próxima edição)

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

SERÁ QUE O SEGREDO DA DESPARTIDARIZAÇÃO DO ESTADO NÃO ESTÁ NA SUA EXCESSIVA PARTIDARIZAÇÀO? É que a bebida ingerida em excesso embebeda.


Partilho hoje convosco um artigo de opinião que publiquei em 2007 num dos jornais da praça mas que dada a sua actualidade e pertinência, julguei oportuno voltar a publicar neste espaço de opinião. Trata-se da minha percepção sobre a partidarização do Estado em Moçambique e dizer antes de mais que considero válido e importante tudo que já se escreveu sobre esta temática.

Refiro-me aqui as denúncias quase diárias, na nossa imprensa, sobre a proliferação das células do partido no poder em todas as instituições do Estado, salvo raras excepções, sobre os panfletos de propaganda eleitoral afixado nos gabinetes dos administradores distritais e outros dirigentes, a partidarização dos eventos de Estado, etc.

Portanto, em Moçambique, ninguém comprometido com a construção de uma cidadania inclusiva e participativa e com o Estado de Direito pode negar esta triste realidade.

Todos nós conhecemos inúmeros exemplos de funcionários públicos que enquanto não assumam uma posição político-partidária contrária ao poder político instituído são considerados quadros capazes e necessários ao processo de desenvolvimento, mas, assim que estes funcionários assumem uma posição pública à favor de algum partido da oposição ou não comunguem das posições oficiais ou ainda não aceitem “por livre iniciativa” aderir ao partido no poder, deixam de ser quadros úteis e necessários e passam a ser automaticamente quadros dispensáveis mesmo que continuem no Estado e beneficiem das promoções e progressões na carreira mas não passam disso.

Todavia, mesmo diante de todos os indicadores que apontam para o regresso da intolerância e dos dogmas totalitários, prefiro ser optimista e acreditar que nenhum tirano nos irá escravizar e que tudo que tem começo tem fim.

Uma das razões que me leva a pensar deste modo relaciona-se com o facto de uma parte da elite intelectual e até mesmo de uma certa ala do partido no poder, estar a enfrentar dificuldades em conviver com toda esta situação por mais tempo. É que assim está-se a prejudicar a economia do país e a torná-la ineficiente pois passamos a viver a situação de termos recursos subaproveitados o que não se compadece com as inúmeras necessidades da nossa sociedade.

Uma razão mais forte do meu optimismo relaciona-se com o facto de eu acreditar que o segredo da despartidarização do Estado está exactamente nesta excessiva partidarização.

A bebida ingerida em excesso embebeda. O início da queda da maioria dos regimes totalitários no mundo foi geralmente acompanhado pelo endurecimento precipitado nas últimas fases desses regimes.

Determinados governantes deste país ao privilegiarem a confiança politica em detrimento da competência técnica dos funcionários do Estado estão a criar as premissas para que o péssimo funcionamento dos Serviços públicos não só prejudique ao público em geral como também as próprias elites governativas e até ao próprio Chefe de Estado. Quem não se lembra do embaraço que o nosso Chefe de Estado teve diante da avalanche das inconstitucionalidades no seu primeiro mandato, incluindo até do próprio Órgão do Estado encarregue de gerir e profissionalizar a função pública.

Quero acreditar que o Chefe de Estado tarde ou cedo chegará á conclusão que ao se promover o culto a personalidade e a fidelidade partidária ao invés da competência técnica e a profissionalização do Estado, não lhe levará a bom porto.

Os mesmos “camaradas” que aconselharam mal o Presidente Chissano e hoje se armam em comandantes mores do “combate ao espírito do deixa andar” são os mesmos que hoje “aconselham” ao actual Presidente da Republica a pactuar com a incompetência em detrimento da excelência e da qualidade e no próximo mandato serão os mesmos a criticarem o actual PR por ter cometido erros absurdos enquanto Presidente da República.

São estes “messias” que levaram o actual Presidente da República a abraçar de forma pouco convincente a aposta na produção da Jartropha, são os mesmos que produziram os despachos inconstitucionais, são os mesmos que mandataram as entidades publicas a adoptarem slogans partidários mesmo conscientes de que estamos num Estado de Direito, são os mesmos que introduziram um novo currículo no ensino superior sem tomar em consideração a realidade actual do nosso ensino primário e secundário e as condições de trabalho nas universidades, são os mesmos que levaram o governo a anunciar a cesta básica para tempos depois voltar atrás com a decisão tomada, são os mesmo que planificaram as inspecções obrigatórias dos carros e depois não sabem dizer quando será obrigatório, são os mesmos que disseram que os cartões dos telemóveis deviam ser registados obrigatoriamente e hoje já não sabem dizer a partir de quando será obrigatório, são os mesmos que “planificaram” a aplicação dos “vulgo” sete milhões nos distritos e que hoje reconhecem, nos vários estudos, terem errado, mas não dizem onde erraram, etc, etc....

 

Penso que ninguém em sã consciência e muito menos o país pode dar-se ao luxo de dispensar talentos e capacidades por meros caprichos de confiança ou fidelidade política.

 

Por isso, espero que o nosso Chefe de Estado dedique todas as suas energias na defesa, promoção e consolidação da unidade nacional, dos direitos humanos, da democracia e do bem-estar do povo moçambicano e faça justiça a todos os cidadãos (n° 2 do artigo 150 da Constituição da Republica de Moçambique) e salve deste modo a nossa pátria destes falso messias.

 

Mas, mais do que esperar que os efeitos da partidarização possam eles próprios forçar a despartidarização, julgo que todos nós não somos poucos para juntos fazermos algo concertado e viável para que este pesadelo passe á história de uma época menos boa do nosso país.

 

Só assim é que poderemos produzir a riqueza nacional, reparti-la igualmente ou equitativamente entre os cidadãos e não permitirmos eternamente que a retórica continue a substituir, na maior parte das vezes, as acções.

 

Pelo que apelo a todos e muito em particular aos intelectuais deste nosso Moçambique para que se libertem e passem a denunciar de viva voz todo este macabro plano que visa perpetuar o subdesenvolvimento e a dependência externa do nosso País.

A geração do 25 de Setembro cumpriu com a sua nobre missão de libertar a terra e os homens do jugo colonial, cabe agora a nossa geração contribuir de forma determinante para a libertação das mentes dos homens e mulheres deste maravilhoso país.

Penso que é e deve ser um imperativo nacional a construção de uma cidadania inclusiva e participativa, capaz de ser ouvida e respeitada, através do exercício pleno dos direitos e liberdades garantidos pela Constituição da República de Moçambique.