Moçambique
tem sido ciclicamente assolado por secas ou cheias. Todos os esforços até aqui
empreendidos pelas nossas autoridades visando gerir estas situações têm fracassado,
o que demonstra que, não obstante a boa vontade existente, a situação tende,
ano após ano, a agravar-se e até mesmo a perpetuar-se. Assim, urge fazer-se
algo de concreto e concertado que altere em definitivo a presente situação.
A ocorrência
de secas ou cheias constantes e o aumento da demanda pela água na região da
SADC e em Moçambique, em particular, requer das autoridades regionais e do
Governo moçambicano a adopção de um mecanismo regional e eficaz de
coordenação dos recursos hídricos com vista a um melhor aproveitamento da água
por todos os intervenientes. Não se pode aceitar que, em pleno século XXI, ainda
se lamente e se sofra, tanto pelo excesso como pela escassez deste precioso líquido,
mais ainda quando todos sabemos que os principais rios da região austral de África
passam pelo nosso território para desaguarem no oceano indico.
É um facto que os principais
rios nascem em outros países da região e desaguam em Moçambique. Mas também é
verdade que as nossas autoridades não só não decidem sobre a
quantidade de água que deve passar pelo nosso território como não têm a
capacidade de gerir e de reter parte da água que passa pelo nosso território de
modo a irrigar os solos e propiciar o desenvolvimento da agricultura e da pecuária
bem como a garantir que mais cidadãos tenham acesso à água potável que é um
direito humano e um dos objectivos do milénio preconizado pelas Nações Unidas. Este
estado de coisas é inconcebível e inaceitável em qualquer estado de Direito. Actualmente,
e não obstante os acordos existentes entre os países da SADC no sentido de
haver uma gestão conjunta dos recursos hídricos, os nossos vizinhos fazem as retenções de água que desejam e usam-na como bem
entendem e, muita das vezes, originam situações de cheias
ou de secas ao nosso país que está à jusante. Pois, actualmente, quando é tempo
de seca, os países a montante fecham as comportas das suas barragens e a água
chega a conta-gotas à Moçambique e quando é tempo chuvoso os mesmos países
abrem as comportas e a água chega em grandes volumes, causando cheias
inesperadas e destruição de vidas e de infra-estruturas sociais e económicas e
afectando toda a economia do nosso país.
É interessante a nossa cíclica
capacidade de lamentar quando chove e lamentar também quando não chove. Até
parecemos um povo eternamente insatisfeito com a natureza e ingratos perante a
mesma. A água ao invés de ser uma bênção acaba por ser também uma maldição para
o nosso povo. Se no passado as nossas autoridades tradicionais pediam aos espíritos
pela vinda da chuva, hoje não só apelam para que chova como também apelam para
que não chova, dependendo da quantidade de água que é retida ou que é liberta
pelos nossos vizinhos na região.
Entretanto, os países vizinhos
de forma mais organizada e programada vão tirando dividendos da água que com
sabedoria e astúcia retêm e armazenam e desenvolvem a agricultura, a pecuária,
produzem a energia de que necessitam e ainda propiciam água potável para as
suas populações e em última instância desenvolvem os seus países diante do
olhar impávido das nossas autoridades, as quais nada mais resta-lhes senão apelar
continuamente pelo auxílio alimentar internacional e recomendar que os nossos
empreendedores importem dos países vizinhos, os alimentos que necessitamos para
suprir as nossas carências alimentares. Esta situação tanto ocorre quando chove
muito como quando há secas. Portanto, quer haja chuvas quer não haja, para nós,
a desgraça é a mesma, talvez varia o momento em que fazemos o apelo para a
ajuda de emergência e a quantidade ou ainda a localização dos estragos e o tipo
de desgraça.
Procurando
solucionar a situação acima descrita as nossa autoridades governamentais e o
Estado moçambicano aprovaram a Resolução n.º 64/2004 de 31 de Dezembro de 2004 que
ratifica o Acordo entre a República da Angola, a República do Botswana, a
República do Malawi, a República de Moçambique, a República da Namíbia, a
República Unida da Tanzânia, a República da Zâmbia e a República do Zimbabwe
sobre o estabelecimento da Comissão do Curso de Água do Zambeze, celebrado em
Kasane, Botswana, no dia 13 de Julho de 2003 e a Resolução n.º 53/2004 de 1 de
Dezembro de 2004 que ratifica o Acordo Tripartido Interino entre a República de
Moçambique, a República da África do Sul e o Reino Unido da Suazilândia sobre a
Cooperação na Protecção e Utilização Sustentável dos Recursos Hídricos dos
Cursos de Água do Incomáti e Maputo, celebrado em Johannesburg, África do Sul,
no dia 29 de Agosto de 2002.
Decorridos
mais de oito anos sobre os acordos acima referidos, os problemas não só
persistem como tendem a agravar-se. Recentemente, o Governo anunciou que estão previstas
secas para a região sul, em 2012, e cheias na região centro e norte ao longo
dos meses de Janeiro, Fevereiro e Março de 2013.
É caso
para questionar se os acordos celebrados com os países vizinhos estão ou não a
ser cumpridos ou até mesmo é caso para revisitar estes acordos e verificar até
que ponto os mesmos foram bem negociados e são benéficos para o nosso país e
até que ponto os mesmos tenham provocado algum efeito útil.
Portanto,
mais do nunca, exige-se das nossas autoridades governamentais um pronunciamento
célere e convincente das acções concretas que estão a ser encetadas visando a inversão
e não a protelação desta situação por tempo indeterminado. Não podemos mais
alegar que não dispomos de instrumentos legais e de assessoria técnica quanto
aos passos que devemos dar para estancar esta situação e transformar as
fraquezas em oportunidades.
Penso que a gestão dos recursos hídricos deveria ser integrada, e, cada
país que partilhe as bacias deveria fazer a sua parte e o nosso governo deveria
dar uma atenção à construção da barragem de Moamba-Major e outras em todo o território
nacional de modo a encaixar os volumes de água que volta e meia inundam as várias
regiões do nosso país.
Finalmente, julgo também que deveríamos analisar seriamente o porquê dos
Acordos bilaterais e multilaterais estarem a falhar e a quem exigir
responsabilidades de modo a que os mesmos venham a ser respeitados e
implementados integralmente. Aproveitemos a oportunidade soberana de o nosso
país estar neste preciso momento na presidência da SADC para exigir-se um maior
respeito por aquilo que acordamos mutuamente. Porque se não formos capazes de
exigir pelo cumprimento dos acordos mesmo estando na presidência deste Órgão
quem garante que o sejamos capazes de o fazer no futuro quando a presidência, que
é rotativa, passar para um outro país da região. Ao menos isso as nossas
autoridades deveriam ser capazes de fazer, se não é pedir muito.
Mais do que tudo, julgo ter chegado o momento de as nossas autoridades
governamentais perceberem e aceitarem de que o poder só é efectivo e legitimado
quando o mesmo se casa com o saber. Porque não existe de facto poder dissociado
do saber. Ambos se complementam.
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