A
Lei da Comissão Nacional de Eleições (CNE) aprovada no ano passado pela
Assembleia da República e recentemente promulgada pelo Presidente da República
estabelece que este órgão deve ser constituído por 13 membros, oito dos quais
indicados pelos partidos políticos com assento no parlamento com base no
princípio da representatividade, um Juiz indicado pelo Conselho Superior da
Magistratura Judicial, um Procurador indicado pelo Conselho Superior da
Magistratura do Ministério Público e três membros indicados pelas organizações
da sociedade civil.
Analisando
a Lei em epígrafe recordei-me da situação ocorrida na semana passada, na
Comissão Central de Ética Pública em que um magistrado do Tribunal
Administrativo indicado pelo Conselho Superior da Magistratura Administrativa para
fazer parte da Comissão Central de Ética Pública ter sido questionado, pela opinião
pública, pelo facto de a Constituição da República, no seu artigo 233, não
permitir que os juízes do Tribunal Administrativo, em exercício, possam exercer
quaisquer outras funções, quer sejam públicas ou privadas, com a excepção da
actividade de docência ou de investigação jurídica; pelo que, eventualmente o
juiz indicado pelo Conselho Superior da Magistratura Administrativa não poderá manter-se
em exercício de funções na Comissão Central de Ética Pública dado ao conflito
de interesses prevalecente.
Tomando
como exemplo o caso acima mencionado, constatei, com preocupação, que o nosso
legislador também incorreu numa inconstitucionalidade parcial ao prever, na lei
da CNE, que o Conselho Superior da Magistratura Judicial e o Conselho Superior
da Magistratura do Ministério Público possam indicar, respectivamente, um Juiz
e um procurador para fazerem parte da CNE.
Acontece
que, à luz do artigo 219 da Constituição da República, os juízes, em exercício,
não podem desempenhar quaisquer outras funções públicas ou privadas, excepto a
actividade de docência ou de investigação jurídica ou outra de divulgação e
publicação científica, literária, artística e técnica, mediante prévia
autorização do Conselho Superior da Magistratura Judicial. O número 3 do artigo
217, também da Constituição da República, diz ainda que os juízes são
inamovíveis, não podendo ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos,
senão nos casos previstos na Lei.
Por
sua vez a Lei orgânica do Ministério Público, no seu artigo 109, diz também que
o exercício das funções de magistrado do Ministério Público é em regime de
exclusividade e é incompatível com o desempenho de qualquer outra função pública
ou privada, salvo a actividade de docência, literária ou de investigação científica,
mediante autorização do Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público.
A Lei orgânica do Ministério Público, no seu artigo 127, prevê ainda quais as
funções de natureza pública em que o magistrado do Ministério Publico, ouvido o
Conselho Superior da Magistratura do Ministério Público, pode exercer, em
comissão de serviço; mas em momento algum consta a permissão de um magistrado
do Ministério Público fazer parte da Comissão Nacional de Eleições.
Portanto,
tanto a Constituição da República como a Lei orgânica do Ministério Público, em
nenhum momento permitem que um juiz ou um procurador possam exercer funções na
Comissão Nacional de Eleições. Por conseguinte, salvo melhor opinião, não pode
a Assembleia da República, contrariar a Constituição da República.
Deste
modo, penso estar comprovadamente claro que a Assembleia da República ao
aprovar a Lei da CNE, nos moldes actuais, incorreu numa clara violação da
Constituição da República e das demais leis em vigor e consequentemente induziu
em erro ao Presidente da República que, no bom senso e visando assegurar eleições
em tempo oportuno, promulgou e mandou publicar a referida lei.
Partindo
do pressuposto de que o erro foi involuntário e buscando não interferir nos
calendários eleitorais a serem aprovados por esta nova Comissão Nacional de
Eleições, defendo que a Assembleia da República aprove, de imediato, uma emenda
pontual do artigo referente à Composição da CNE e envie, o mais breve possível,
para o Presidente da República para promulgação. Para o efeito recomendo que as
duas vagas actualmente atribuídas a um juiz e a um procurador, na Comissão
Nacional de Eleições, sejam concedidas à sociedade civil, permitindo deste modo
que a sociedade civil passe a indicar 5 dos 13 membros da nova CNE.
Deste
modo estariam, por uma lado, criadas as condições para a Assembleia da República
reafirmar a sua obrigação em respeitar e fazer respeitar a Constituição da República
e, por outro, para se ampliar os espaços de participação da sociedade civil nos
processos eleitorais que se avizinham contribuindo, assim, para uma gradual
despartidarização deste órgão eleitoral conforme as recomendações dos
observadores nacionais e internacionais.
Que o
bom senso prevaleça na Assembleia da República.
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