Que o nosso país
é ciclicamente assolado por cheias ou secas, disso já todos sabemos. O que ainda
não sabemos é o porquê de ainda não se terem tomado medidas visando prevenir estas
situações e transformar esta fraqueza em oportunidade? Até quando continuaremos
a encarar a água como uma maldição e não como uma bênção da mãe natureza? Quando
é que iremos construir barragens e diques visando gerir a água em nosso benefício?
Qual deverá ser o papel do Estado em relação as populações e aos agentes económicos
que mais uma vez perderam os seus bens? Estas e outras perguntas continuam ainda
sem respostas e a atormentar aos cidadãos. É verdade que as calamidades
naturais, tais como as cheias e as secas são, muita das vezes, uma consequência
directa das mudanças climáticas e que as autoridades governamentais são impotentes
diante deste tipo de situações; mas também é verdade que as recentes cheias no Chokwé
e as que regularmente ocorrem, particularmente, nas regiões sul e centro de Moçambique,
são essencialmente causadas pela ausência clara e inequívoca de uma estratégia governamental
de gestão concertada dos recursos hídricos.
É também um
facto inegável que alguns concidadãos nossos têm ignorado os constantes avisos
e recomendações das autoridades governamentais no sentido de não construírem as
suas casas e outras infra-estruturas em locais impróprios colocando em risco as
suas vidas e os seus bens. Mas, mesmo assim, a maior responsabilidade, nestes
casos, continua a ser do próprio Estado visto não fazer o uso pleno do poder
que lhe é conferido pelos cidadãos para governar. Portanto, em última instância,
a responsabilidade pelos avultados prejuízos causados ao Estado e aos cidadãos são
da inteira e exclusiva responsabilidade do Estado e a ele cabe definir e
implementar as medidas visando ressarcir os cidadãos destes danos e corrigir
definitivamente o problema.
A meu ver, o
Conselho de Ministros deveria propor à Assembleia da República a aprovação de
um orçamento rectificativo, visando realocar recursos adicionais para estas regiões
afectadas incluindo a criação de um Fundo de Emergência para apoiar as populações
e agentes económicos na reconstrução das suas infra-estruturas. As Presidências
Abertas e a construção de monumentos deveriam ser adiadas para uma outra ocasião
de modo a que as verbas fossem realocadas para a normalização da vida nas zonas
ora afectadas.
Paralelamente às medidas
emergenciais, o governo deveria, de uma vez por todas, pôr a mão na consciência
e tomar as medidas adequadas para gerir de forma racional e rentável os
recursos hídricos. No ano passado escrevi neste mesmo espaço sobre a
necessidade de haver um melhor aproveitamento da água em Moçambique e que o
nosso governo em articulação com os restantes países da SADC deveria adoptar um
mecanismo regional e eficaz de coordenação dos recursos hídricos com vista a um
melhor aproveitamento da água por todos os intervenientes. Pois, não se pode
aceitar que, em pleno século XXI, ainda se lamente e se sofra, tanto pelo
excesso como pela escassez deste precioso líquido, mais ainda quando todos
sabemos que os principais rios da região austral de África passam pelo nosso
território para desaguarem no oceano Índico e que durante a maior parte do ano
somos também assolados por secas cíclicas por falta de água nestas mesmas regiões.
Portanto, cabe as nossas
autoridades governamentais construir barragens e diques que permitam armazenar
a água excedentária que passa pelo nosso território de modo a irrigar os solos,
abastecer as populações e fazer uma melhor gestão deste precioso recurso tanto
em tempo chuvoso como seco. A este respeito sou da opinião que poder-se-ia aproveitar
os projectos coloniais que continuam actuais nesta matéria e deveríamos, sem
complexos e nem preconceitos, ser capazes de os adoptar, fazendo as actualizações
pertinentes e acelerar os passos visando a sua efectiva implementação. É
sobejamente sabido que a zona sul de Moçambique é pobre em água e, não obstante
passarem por aqui vários rios em direcção ao oceano Índico (Umbeluzi, Incomati,
Limpopo), não dispomos ainda da capacidade de retenção da água de que
necessitamos tanto para desenvolver a agro-pecuária como para o abastecimento
das nossas populações quer sejam rurais como urbanas. Mais grave ainda é o
facto de nem sequer sermos capazes de influenciar na quantidade de água que
deve passar pelo nosso território. Os nossos vizinhos decidem, unilateralmente
e ao seu belo prazer, quanta água devem reter nas suas barragens, deixando
passar pelo nosso território a quantidade que lhes convêm assim como são eles
que decidem quando e quanta água devem libertar, as quais, algumas vezes causam
luto e dor e avultados danos materiais e financeiros ao nosso povo. Aconteceu
no ano 2000 e voltou a acontecer neste ano e a pergunta que fica sem resposta
é: que ilações tiraram-se das cheias do ano 2000 e o que terá falhado para a
mesma desgraça voltar a bater-nos a porta 12 anos depois?
Se após as cheias de 2000 ficou
claro a urgência de se reconstruírem os diques de retenção das águas no Chokwé
e em outras regiões e até foram disponibilizados recursos financeiros e
materiais para o efeito, o que se passou então, para que tais diques continuem
inactivos? O que foi feito com os recursos que pelos vistos não foram
devidamente aplicados? Quem são os responsáveis por esta negligência?
Estranhamente nada foi feito e
ano sim e ano não a história repete-se, variando somente a dimensão das desgraças.
Em 2007 voltamos a sofrer um problema de grandes proporções na região centro em
decorrência das descargas excessivas de água das barragens dos países vizinhos e
também da nossa barragem de Cahora Bassa.
Há muito tempo que se fala da
necessidade de viabilizar-se o projecto Momba Major e outros concebidos na época
colonial, então o que mais precisamos para pôr em prática essas iniciativas de
uma vez por todas de modo a não estarmos sempre a lamentar por causa da água
como se de uma maldição se tratasse? Os anos passam e nada acontece. A desculpa
é sempre a mesma: falta de fundos. Mas estou em crer que havendo um pouco mais
de vontade política e de auto estima, os recursos não seriam o motivo deste
prolongado adiamento. Se somos capazes de mobilizar aproximadamente um bilião de
dólares para a construção da Ponte da Catembe e realizar outras despesas que
muito bem poderiam ser adiadas porque então, não somos capazes de mobilizar
recursos para a construção de diques e barragens para melhor gerir-se as águas
e contribuirmos decisivamente para a almejada revolução verde? A água deve
continuar a ser uma bênção e uma dádiva da mãe natureza e não devemos nunca
deixar que ela se transforme numa maldição e numa desgraça para o nosso povo. O
contrato social que celebramos com o Estado é no sentido de que emprestamos parte
do nosso poder para que o Estado cuide da nossa segurança e assegure as condições
para a realização plena do nosso bem-estar social. Não celebramos o contrato social
para ouvir lamentações e nem para assistirmos a um Estado impotente perante a desgraça
que abala o seu povo. É tempo de acelerar o passo e elevar, de facto, a nossa
auto-estima como povo e como nação em construção.
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