No âmbito do contrato social normalmente
celebrado entre os cidadãos e o Estado, as pessoas abrem mão de certos direitos
para o governo ou outra autoridade com o fim de obter as vantagens da ordem
social. Nesse contexto, o contrato social é um acordo entre os membros de toda
a sociedade, pelo qual reconhecem a autoridade, igualmente sobre todos, de um
conjunto de regras, de um regime político ou de um governante e é neste
contexto que a justiça com as próprias mãos passou a ser proibida. Assim,
conforme Rousseau, "cada um de nós coloca sua pessoa e sua potência sob a
direcção suprema da vontade geral”.
Ao
Estado, no exercício do poder político, cabe realizar certos fins, nomeadamente:
a segurança, a justiça e o bem-estar social.
Quanto
a segurança, esta aparenta ter sido a primeira necessidade que conduziu a
instituição do poder político, pois o interesse do Homem é viver, e para viver
precisa de se proteger contra os perigos da natureza, contra a cobiça dos seus
semelhantes e contra a violência dos mais fortes.
Assim,
o poder político deve instituir uma força colectiva organizada que é posta ao
serviço de interesses gerais e de princípios socialmente aceites.
Quando
o Estado deixa de prosseguir, os indivíduos sentem-se tentados a prover a sua própria
defesa e acabam por fazer a justiça por suas próprias mãos e a sociedade
política fica minada nos seus fundamentos e a anarquia instala-se.
O
recrudescer da criminalidade e o surgimento de novos tipos de crimes, muitos
dos quais utilizando técnicas altamente sofisticadas, exigem do Estado a
redefinição célere de toda a sua estratégia de combate ao crime, adopção de
tecnologias apropriadas, capacitação adequada das suas forças policiais,
políticas remuneratórias e de segurança social adequada a estas forças e uma
maior vigilância quanto a possíveis infiltrações, no seu seio, de agentes
activos e passivos ligados ao crime organizado mas, acima de tudo, requer uma
acção rápida e concertada no sentido de não passar para a sociedade o
sentimento de apatia, falta de vontade ou até mesmo de aparente cumplicidade
com o crime.
Em
Moçambique, todos os cidadãos têm direito constitucional à segurança e a sua Polícia,
em colaboração com outras instituições do Estado, tem a função de garantir a
lei e a ordem, a salvaguarda da segurança de pessoas e bens, a tranquilidade
pública, o respeito pelo Estado de Direito Democrático e a observância estrita
dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. No exercício das suas
funções, a Polícia, obedece a lei e serve, com isenção e imparcialidade os cidadãos
e as instituições públicas e privadas.
Nos
últimos tempos vem se notando uma relativa apatia das autoridades policiais no
combate e esclarecimento de vários crimes que causam dor e luto e elevados
danos humanos e materiais, como é o caso de assassinatos, mutilações, raptos,
tráfico de pessoas, roubos a residências, violações de crianças e mulheres, tráfico
de órgãos humanos para fins de rituais satânicos, assaltos aos bancos, roubo de
celulares, etc.
Estes
crimes ocorrem em outros países alguns dos quais com maiores recursos
financeiros e materiais do que o nosso, mas, nem por isso deve deixar de nos
preocupar e de nos indignar. Hoje alguns destes crimes – os raptos, têm estado,
até o momento, a visar cidadãos moçambicanos com determinadas características
étnicas e religiosas mas, a ausência de um combate célere e efectivo poderá
certamente fazer com que este tipo de crimes se enraízem e se propaguem por
toda a sociedade e portanto, urge combater-se este flagelo o mais cedo possível,
para evitar danos maiores e mais gerais. A competência primeira e última nesta
batalha pertence a Polícia, portanto, a mesma não pode e nem deve demitir-se
das suas responsabilidades sob a alegação de que trata-se de um assunto
relativo a uma determinada parcela da sociedade e que portanto deve ser
resolvida por esta parcela da sociedade e de que não dispõe de meios para o
efeito. À polícia, como entidade a quem cabe assegurar a segurança dos membros
da sociedade, cabe a função de garantir a segurança de todos sem distinção, e
nesta função deve ser orientada pelo princípio de que ninguém,
independentemente de quem seja, está acima da lei e, portanto, mesmo que os
indícios indiquem que alguns dos autores destes crimes pertencem a parcela da
sociedade que está a ser atingida pelos crimes, ainda assim o Estado não pode,
de maneira alguma, demitir-se da sua função de garantir que estes autores sejam
identificados, detidos, julgados e devidamente punidos com base na lei em vigor.
O que não podemos é tolerar que se diga que não há meios e que o problema
somente afecta um pequeno grupo de cidadãos partindo do pressuposto de que é um
problema exógeno à nossa sociedade, pois o que hoje afecta a uma pequena
parcela da sociedade amanhã poderá alastrar-se por toda a sociedade e por todo
o país. O que não podemos aceitar e nem tolerar é que se diga que não se dispõe
de meios quer seja materiais como financeiros quando sabemos haver vontade já manifestada
por membros da sociedade e por países solidários de colocar a disposição da
polícia alguns dos meios de que esta necessite para agir adequadamente e
celeremente. Salvo melhor entendimento, a impunidade ou o sentimento de que a
entidade responsável por garantir a segurança não irá agir adequadamente no
sentido de punir os crimes praticados poderá conduzir toda a sociedade à
anarquia e à descrença total das nossas instituições do Estado, o que, não deve
sossegar a ninguém e muito menos ao Estado. O desespero que a impunidade pode
causar nas vítimas do crime pode conduzir a experiências em que os cidadãos
assumam para si a função de garantir a sua segurança pelos meios de que dispõe
e portanto fazer a justiça por suas próprias mãos; o que deve-se evitar a todo
o custo, cabendo a cada um de nós dar o seu contributo para que a sociedade não
seja conduzida a este extremo. Então, que haja vontade e seriedade na forma
como se aborda a criminalidade em geral e se esclareça com a brevidade e
celeridade exigida os casos criminais e em particular aqueles que embora
tipificados como sendo novos no nosso seio, são certamente os que maior
instabilidade e descrédito poderão trazer para a boa imagem até aqui
conquistada, com muito custo, por todos. Enquanto cidadãos cumprimos a parte que
nos cabe do contrato social celebrado com o Estado, pelo que cabe ao Estado
também cumprir a parte que lhe cabe. Só assim poderemos validar e renovar
ciclicamente o nosso contrato social.
A
segurança é um direito de todos tal como todos são iguais perante a lei e devem
perante a Lei responder pelos actos praticados. Que se punam os criminosos
independentemente das suas origens étnicas, raciais ou das suas convicções
religiosas. É isso que esperamos do Estado.
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