É
deveras preocupante a forma como determinados meios de comunicação social
reportam e até mesmo julgam determinadas situações, transformando as
verdadeiras vítimas em vilões. Esta reflexão vem a propósito da forma como foi
reportado o caso de um vídeo referente à vida íntima e pessoal de um concidadão
nosso que circulou na Cidade da Beira, ao que parece, sem a concordância dos
autores do mesmo. Na minha opinião, o que está em causa não é o facto de se concordar
ou discordar que as pessoas registem ou não os seus momentos íntimos mas sim o
facto de todos os cidadãos, nos seus espaços privativos e de fórum íntimo, serem
livres de agirem em função das suas próprias consciências. Assim, penso que, a
principal preocupação de qualquer pessoa e principalmente dos jornalistas
deveria ser a de se condenar e se responsabilizar as pessoas que, de má-fé e
agindo com dolo, fizeram chegar a praça pública essas imagens privadas. No
entanto, o que se verifica é que estamos a agir de forma contrária, estamos a transformar
a vítima em culpada. Espanta-me quando determinado jornalista diz ter
contactado com o Director Nacional do INGC, na qualidade de superior
hierárquico do protagonista do vídeo, como se fosse da responsabilidade do
referido Director cuidar ou limitar os direitos de personalidade do seu
subalterno. É urgente promover-se a capacitação dos nossos jornalistas em
determinadas matérias e muito em particular no respeitante aos direitos de
personalidade como forma de evitar-se este tipo de situações que em nada
dignificam a profissão e atentam contra os direitos fundamentais do cidadão,
nomeadamente, os direitos de personalidade.
Os
direitos de personalidade são direitos fundamentais e estão consagrados na
Constituição da Republica de Moçambique (artigo 41) que dispõe, taxativamente,
que todo o cidadão tem direito a honra, ao bom nome, a reputação, a defesa da sua imagem pública e a reserva
da sua vida privada. O Código Civil, no art. 80 estabelece a obrigação
geral de todos guardarem reserva da vida privada de outrem e, o art. 70 do mesmo,
vem a estabelecer que a lei protege os indivíduos contra ofensas à sua
personalidade moral e dá a possibilidade ao ofendido de intentar uma acção de
responsabilidade civil contra o ofensor e de requerer outras providências
adequadas a atenuar os efeitos da ofensa cometida.
Deste
modo, nos termos da lei aquele que atentou contra o direito de reserva da vida
privada do nosso concidadão trazendo ao público um acto privado e praticado na
intimidade do casal é que é o ofensor e que deve ser o alvo destes ataques que
agora vemos na imprensa. Mas, o que verificamos é exactamente o contrário, ao
invés de determinados jornalistas cumprirem com o seu dever de informar na
estrita observância dos direitos de personalidade dos outros, contribuem, ainda
mais, para denegrir a imagem de quem já se encontra fragilizado. Esta inversão
de valores é intolerável, não podemos admitir que num Estado de direito aqueles
que têm a obrigação de cumprir com o estabelecido na Constituição da Republica
e nas leis se tornem no principal veículo de ofensa aos direitos de
personalidade de outrem. Pois, no caso do nosso concidadão, além das pessoas
que levaram ao público o vídeo de carácter privado, os jornalistas tiveram um
papel fundamental na disseminação desta informação ao nível nacional com a
agravante de, por arrasto, afectarem o bom nome de outras pessoas, que,
querendo ou não, são figuras públicas no nosso cenário político. Foi a acção
dos jornalistas que levaram ao conhecimento público as relações de
familiaridade entre o protagonista do vídeo e um dos nossos membros do Governo.
Na minha opinião, os jornalistas que assim agiram podem ser considerados de
co-autores da ofensa aos direitos de personalidade dos cidadãos afectados.
Sou
da opinião de que constitui obrigação de qualquer jornalista ter um conhecimento
mínimo das leis em vigor de modo a que ao escreverem determinadas peças
jornalistas que podem pôr em causa determinados direitos, façam-no com a devida
cautela salvaguardando os direitos de personalidade das pessoas envolvidas, sob
o risco de um dia virem a ser processados ou verem o seu jornal sancionado pelo
Conselho Superior da Comunicação Social. É que o desconhecimento da lei não desresponsabiliza
o violador da mesma. Além do dever dos jornalistas acima referido, julgo que é
também nosso dever, como cidadãos e como educadores, chamarmos a atenção quando
constatamos a violação das leis em vigor, e é na qualidade de docente do curso
de licenciatura em jornalismo que escrevo o presente artigo de opinião.
Concordo
que um dos objectivos de qualquer jornalista é o de vender o seu jornal, mas
dado ao papel fundamental que a imprensa desempenha em qualquer Estado de
Direito, é necessário que esta imprensa seja o exemplo no cumprimento da Constituição
da Republica e das leis em vigor sendo também o protagonista na disseminação
dos direitos fundamentais dos cidadãos de modo a contribuir para o exercício
pleno da cidadania. Portanto, penso que a atitude mais racional e consentânea
com a profissão nobre de jornalista seria a de contribuir na busca do responsável
pela divulgação destas imagens que atentam contra os direitos de personalidade
dos protagonistas das mesmas e exigir-se que a empresa que teve sob sua custódia
o computador para reparação seja investigada e devidamente responsabilizada, caso
se prove a sua participação na divulgação propositada das imagens. A atitude
reprovável dos agentes da publicitação indevida de cenas privadas e dos
jornalistas que disseminaram esta informação transformou a vítima em culpada,
contribuindo para uma inversão de valores intolerável.
A
liberdade de imprensa e o direito a informação implica ou deve implicar,
necessariamente, uma responsabilidade acrescida face aos direitos de
personalidade das pessoas afectadas pelas informações que são disseminadas. Defendo
o respeito pelo direito a informação e pela liberdade de expressão da mesma
forma que defendo o respeito pelos direitos fundamentais das pessoas. Portanto,
cabe a cada um de nós enquanto cidadãos promover a defesa destes direitos e
contribuir para o exercício responsável dos mesmos por toda a sociedade.
Ninguém deve estar acima da lei e o jornalista tem uma responsabilidade
acrescida nesta matéria e não deve subtrair-se a sua responsabilidade sob
qualquer pretexto.
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